Um conto de Morte

Dois amigos conversavam quando atropelaram um velho. Nenhum dos dois viu a morte antes, mas o primeiro, de boné preto, mandou:

- Morto. Pegou direto na costela, não levanta mais.

O segundo, de lã roxa, tremia romanticamente a perna. Ondas de gentes se amontoavam em volta do motoqueiro, que olhava sua obra de arte quase que esperando ela falar. Um rapaz próximo sacou o celular, vai pedir pelo resgate.

- Chamar pra quê - rasgou o de boné preto. - Já está morto mesmo.

Da testa sangrenta do velho até o céu de nuvens pretas, o segundo amigo viu o invisível; viu a onda colossal a cavalgar para a cidade, matando tudo que era grande, estourando tudo que era pulmão, abafando a voz da senhora que grita, antes de perceber que o grito era de alegria, que o resgate que vem da máquina chegou e que o velho, antes morto, agora falava:

- Não sinto minhas pernas!