A imagem dos sonhos

No seu primeiro dia no novo emprego, Fabrício estava deslumbrado com o ambiente e disposto a se adaptar ao ritmo frenético que seria sua rotina pelos próximos anos. Tinha toda razão de estar empolgado, pois, embora soubesse que ia trabalhar muito e que não iria receber o salário dos sonhos, ocupar um cargo de confiança logo de início era uma oportunidade única, oferecida a ele por conta da fama de honestidade que seu pai conquistara. Ele era o novo secretário do presidente do maior edifício comercial daquela cidade. Depois algumas horas, resolveu olhar pela janela que ficava a esquerda de sua mesa, observou a paisagem até onde a vista alcançou e identificou ruas conhecidas nunca vistas de tão alto, porém algo lhe chamou a atenção de maneira especial, de modo que esqueceu de tudo por um minuto, era uma pintura no muro de um grande colégio a duas ruas dali.

Passaram-se alguns meses e Fabrício fazia parte daquele lugar de tal forma, que parecia trabalhar a mais de uma década na empresa e desempenhava sua função de maneira eficiente. A maioria dos funcionários jamais imaginaria que aquele novato costumava viajar para casa de sua avó durante a infância, a fim de observar e ouvir sua tia Lúcia pintar e falar sobre técnicas de pintura e peculiaridades de diversos pintores, nem muito menos que ele fazia desenhos durante as aulas de Geografia na escola, mas talvez os auxiliares não se espantassem com tais fatos, pois entre uma bandeja de café e o espanar de um móvel na antessala do presidente, ele já havia chamado todos até a janela para lhes mostrar quão mágica era aquela pintura no muro.

Era intrigante como aquela imagem o atraia e logo se tornou hábito, sempre que as tarefas lhe permitiam, tomar seu café de pé em frente a janela e imaginar tudo que era possível sobre aquela imagem nos fundos de um grande colégio. "Deveria estar em um quadro" pensava, seguia deduzindo quais seriam as cores usadas, qual tinta, qual técnica, o que haveria inspirado tamanha obra, como seria o pintor que havia feito. Embora fosse fascinado por tal arte jamais foi até o muro para conferir de perto a figura que lhe fazia divagar há mais de um ano, no fundo tinha receio de não se agradar dela em seus detalhes ou o o contrário, de ser ainda maior o encantamento, sabia que não poderia investir em arte agora, não poderia comprar um quadro sequer, tinha um foco.

Na manhã de uma segunda-feira comum, ao pegar sua primeira xícara de café do dia, percebeu que sua rotina ia mudar, pois o detalhe que lhe trazia suavidade diariamente, havia sido coberto com tinta e letreiros de uma propaganda, no lugar restou apenas o telefone de uma nova borracharia. Fabrício não tinha um carro.