A mendiga no ponto

Parado em um ponto de ônibus, um jovem vestindo um elegante terno preto com uma gravada de listras brancas e de cabelo cuidadosamente penteado, olhava de forma ansiosa para o relógio. O tempo para ele parecia correr de uma forma muito mais apressada do o convencional, os ponteiros simplesmente iam se adiantando sem demora, não se preocupando com os problemas ao qual demandariam dele percorrer as horas de forma mais lenta.

Sentado atrás dele se encontrava uma senhora já de idade avançada, vestindo roupas sujas e pesadas, ao seu lado um carrinho de supermercado carregava todos os seus pertences, que não valeria muito mais do que o próprio carrinho sujo e com as rodas já tortas. Abaixo dela seu fiel companheiro se encontrava deitado, aparentando o mesmo cansaço que a velha senhora tinha. Por vezes ele abria os olhos ao ouvir um ônibus chegando, mas isso era tudo. A fadiga do cão revelava a dura vida que ambos viviam, talvez a noite havia sido mal dormida ou quem sabe a própria vida o tenha desgastado, fato era que o tempo para eles era uma questão irrelevante, pois a cada minuto a degradação de seus dias se estendiam.

O odor fedido emitido pela velha e seu cão incomodava as demais pessoas no ponto, que aos poucos se afastavam deixando aquele símbolo de derrota isolado em seu próprio mundo. Sem perceber o homem de terno se viu como o único próximo aquele ser. O nariz entupido pela gripe anulava aquele odor, mas seus olhos ainda funcionavam muito bem.

Em pensamento ele fala:

- Só me falta está mendiga me sujar. Odeio este tipo de gente.

Caminhando para o lado ele procura se afastar daquele incomodo. Um papel então voa em sua direção se prendendo a sua perna, ao se virar para retirar aquele lixo ele vê a velha ao seu lado. A visão o assusta e sem reação a vê abaixar e pegar o papel amassado.

Olhando para baixo o homem vê sua calça suja, no local onde a mendiga havia tocado. Enfurecido ele fala:

- Mais que droga, olha só a porcaria que fez.

Assustada com a reação, a velha recua em quando seu fiel companheiro começa a latir em direção ao homem.

- Segure este cão sarnento, antes que eu o chute daqui. – Gritou o homem recuando alguns passos e tentando limpar sua calça com um lenço.

A velha se senta no banco do ponto de ônibus, em quanto é fuzilada por olhares duros e de reprovação. Sua presença naquele local não era deseja e todos faziam questão de demonstrar aquilo.

- Lamento senhor, não queria perder meu convite. – Fala velha tentando se desculpar em quanto seus olhos começavam a se encher de lagrimas.

- Que se dane este convite que mais parece um papel sujo. – Fala o homem desistindo de limpar a calça. – Só fique afastada de mim e não volte a incomodar. Se este lixo voar para perto de mim de novo, vou jogá-lo no bueiro.

Encabulada a velha abaixa sua cabeça tentando desamassar seu papel colorido. O cão vendo a tristeza da sua dona lambe carinhosamente suas mãos tentando animá-la. Ele sabia mais do que ninguém o quando suas vidas eram difíceis e momentos como aquele só pioravam as coisas.

No ponto de ônibus as pessoas tornam a cena um motivo para debaterem e julgarem. Comentários surgiam por todos os lados.

- Um convite? Só se for para um banho. – Fala um grupo de mulheres usando vestidos escuros e com bolsas excessivamente grandes.

- Aposto que o papel é para fazer baseado. – Fala outro grupo de jovens com celulares nas mãos e com roupas coloridas.

Se posicionando ao lado do homem, um senhor de semblante fechado e de óculos grossos fala de forma serie:

- É um estorvo ter pessoas assim, o governo deveria fazer igual aos cães abandonas.

O homem se mostrava desconfortável com aquela conversa, já não bastava estar atrasado para seu compromisso, agora teria que debater seu infortúnio. Se virando para o senhor ele fala de forma irritada:

- Para mim pessoas assim deveriam morrer. O que elas acrescentam em nossas vidas? Veja bem, estou atrasado, o ônibus não vem e agora tenho uma porcaria de mancha em minha calça, só porque uma mendiga tentou pegar uma droga de convite. O que pessoas assim ajudam em nossas vidas?

- O senhor tem pensamentos duros, mas correto. Concordo com o senhor. – Fala o senhor olhando para a velha mendiga que ainda alisava o seu papel.

O ambiente de reprovação em torno na velha mendiga já havia se formado. Em torno do ponto o assunto era um só e ninguém parecia ter descrição em omitir sua opinião. A verdade era que as pessoas precisavam de um motivo para agir da forma como realmente pensavam, bastava à descrição ser rompida para que todos tomassem coragem de emitir sua opinião.

Abaixo da velha o cão via a hostilidade e começou a rosnar. Com delicadeza sua dona faz um leve carinho em sua cabeça e fala:

- Não assustem eles menino. Não queremos ver tudo vazio.

Irritado pelo cão, que ainda continuava a rosnar, um dos jovens de roupas coloridas se aproxima da mendiga e fala:

- Escuta aqui tia, ou a senhora da o fora com este cão ou vou chutar ele daqui. Não vou ficar esperando ele me morder.

- Desculpe, ele só está um pouco assustado. – Fala a mendiga empurrando o cão para baixo do banco. – Por favor, não faça mal a ele.

As pessoas apenas observavam, esperando que mendiga fosse sair, mas no fim o jovem apenas faz um olhar de desprezo e retorna para perto dos seus amigos.

Alguns minutos depois um dos jovens olhando para o celular fala de forma irritada:

- Eu não acredito meu aplicativo ta dizendo que o ônibus vai demorar mais quinze minutos.

Comentários e gestos de desaprovação eram vistos por todos os lados. A raiva pelo atraso, porém, parecia recair sobre a velha e seu cão, no qual havia virado o maior estorvo para eles.

O homem de terno, as mulheres de vestidos e os jovens pareciam no limite e olhando para a velha davam a entender que iriam se juntar para expulsa-la a todo custo. Eis que um vento sobra e o papel da mendiga escapa de suas mãos e novamente se prende ao terno do homem.

Irritado ele pega o papel e fala:

- Já chega, saia daqui de uma vez por todas.

- Por favor, me devolva meu convite senhor. – Falava a velha se levantando com lagrimas nos olhos.

- Este lixo? – Fala o homem erguendo o papel colorido. – Isso é porcaria, igual a você. Faça um bem para a sociedade e suma daqui. – Em seguida o homem rasga o papel e o joga no bueiro.

Com lagrimas escorrendo pelo rosto a velha parecia despedaçada. Em volta as pessoas pareciam aprovar a ação do homem, ninguém a queria ali. Desolada a velha caminha até seu carrinho e chamando pelo seu cão, começa a sair lentamente do ponto, em quanto às pessoas iam se afastando dela.

Para alivio de todos finalmente o estorvo estava partindo, pelo menos um dos problemas havia sido resolvido.

De repente um carro luxuoso estaciona no ponto de ônibus. Todos ficam olhando, tentando descobrir quem era. De dentro do carro uma linda moça de cabelos loiros e vestindo roupas de marca sai carregando uma grande encomenda. Logo depois algumas outras pessoas, tão bem vestidas como ela saem do veiculo com bexigas, apitos e vários outros itens de festa.

As pessoas no ponto ficam surpresas, ninguém esperava por aquela cena que ficou ainda mais estranha quando a linda moça com a encomenda nas mãos falou:

- Com licença, mas este é o ponto 41B?

O homem de terno encantado com a beleza da moça, falou rapidamente:

- É sim, você está precisando de alguma ajuda?

- Para dizer a verdade sim, estou procurando por uma pessoa. Sou da empresa de festas e me disseram para trazer um bolo e todas estas coisas para aqui. – Fala a mulher com um sorriso.

As pessoas se olham e um dos jovens então fala:

- Acho que a senhora foi engana. Quem faria uma festa no ponto de ônibus?

Com um olhar de reprovação, a mulher ignora o jovem e olhando para o lado vê a pessoa que procurava. Com alegria ela então grita:

- Senhora Maria. Oi. Eu já cheguei, mas aonde pensa que vai?

Espantados todos voltam seus olhares para a velha que se afastava empurrando seu carrinho e com o cão caminhando ao seu lado. Não entendendo a cena, o homem de terno volta a falar com a moça:

- Creio que tenha se equivocado, aquela é um mendiga imunda que só nos irritou hoje. Ela não teria condições de fazer uma festa, veja seu estado. Aquilo não pode pagar se quer um destes balões.

Irritada a mulher falou:

- Eu sabia, falei para não fazer isso aqui.

- Eu lamento, mas sabe um amigo meu faz aniversário hoje, posso ligar para ele e você não terá perdido seu tempo. – Fala o homem com um sorrido malicioso.

- Eu falei para senhora Maria que as pessoas deste lugar eram ruins, disse para fazer a festa dela em nosso salão, mas ela insistiu em fazer aqui. – Falou a mulher olhando furiosa para o homem e indo em direção a velha senhora.

No ponto as pessoas não entendiam mais nada, como aquela mendiga suja e sem nenhuma condição poderia pagar por um bolo e todas aquelas coisas, ainda mais sendo uma das equipes de festa mais caras da cidade? Certamente havia algum engano e caso não tivesse, por que motivos ela iria fazer uma festa daquelas no ponto de ônibus? Certamente ela deveria ser louca.

Ao lado do homem de terno, o senhor de óculos grossos perguntou:

- O está acontecendo?

- Não faço idéia. – Fala o homem em quanto via a linda moça conduzir a mendiga de volta para o ponto.

Todos abriam caminho ao verem a senhora chegar. Com a cabeça baixa, ela posicionou seu carrinho perto do banco e com cuidado voltou a se sentar. A moça então colocou a encomenda do bolo no banco e olhando para todos falou:

- Vocês são um lixo.

- Espere, eles não tem culpa, por favor não os expulse. – Fala a senhora com lágrimas nos olhos.

- Tudo bem, me diga o que está acontecendo? – Pergunta irritado o homem de terno.

- O que está acontecendo? Saibam todos vocês que a senhora Maria nunca teve uma festa de aniversário em toda sua vida, ela veio nos procurar na última semana com um saco de moedas para poder pagar sua festa e escolheu este ponto para poder fazer a festa dela.

- Mais por que ela faria isso? – Falou uma das mulheres de vestido.

- Talvez vocês não tenham notado, mas nos últimos anos todos vocês sempre vem a este ponto. – Fala a velha senhora olhando para baixo. – Minha presença aqui é pouco notada, mas neste período ouvi os problemas que cada um enfrentou. Os jovens que perderam sua festa, pois não tinham dinheiro para ir, as moças que não realizaram a sua pois os salões estavam todos alugados, o senhor de óculos que havia perdido a filha e por isso não pode ir ao seu aniversário e o homem de terno, que mora sozinho e se sentiu mal por ninguém ter ligado para ele em seu aniversário na semana passada. Nunca tive uma festa antes, mas vi que vocês precisavam mais do que eu de algo assim, por isso, juntei minhas economias e resolvi fazer isso.

Um silêncio tomou conta do ponto, as pessoas olhavam para baixo sem saber o que dizer.

- A senhora é boa de mais para este lugar. – Fala a moça loira, com lagrimas nos olhos. – A festas e alegrias, irá realizar uma festa gratuita para a senhora em nosso salão.

- Eu queria realizar aqui. – Fala a senhora. – Mas infelizmente eu perdi meu convite.

Pela rua o ônibus finalmente havia chegado, as pessoas olham para o relógio se lembrando de quanto estavam atrasados para seus compromissos. A velha senhora então fala:

- Podem ir, não quero atrasar vocês. Lamento por todo o desconforto.

O homem de terno se vira e parte em direção ao ônibus, todos ficam o observando subir, mas logo em seguida ele desce, em quanto o ônibus fecha as portas e parte.

Todos pareciam surpresos pela ação, ainda mais por ele ao qual havia rasgado o papel e a expulsado do ponto. Com um olhar baixo o homem fala:

- Minha atitude foi baixa, se alguém deveria ser expulso deste ponto seria eu. Lamento profundamente por tudo o que eu disse. Se permitir gostaria de participar de sua festa, senhora Maria.

Com lagrimas nos olhos a velha abriu um grande sorriso, revelando os dentes sujos e faltantes. Em seguida o homem se adianta e lhe da um forte abraço e diz:

- Muito obrigado, seu gesto mostrou o quanto somos ruins, o mundo precisa de mulheres como à senhora.

- Muito obrigado, mas estou sujando sua roupa. – Falou a senhora tentando se afastar.

- Na verdade a senhora está limpando minha alma.

Durante toda a tarde o ponto de ônibus 41B foi palco de uma grande festa, os ônibus vinham e saiam, porém mais ninguém embarcava. Todos aproveitavam a festa cantando e comento e ao final do dia todos viram que aquele dia realmente havia sido especial e que a velha mendiga, tinha dado a eles um presente que não podemos encontrar em lugar algum. O respeito ao próximo.