Prosas metalúrgicas I: Os Comilões...

Poetinha Armeniz Müller.

...O arrazoador poético.

...A laboriosa linha de produção fabril daquela respeitada multinacional arfava, gemia e até urrava, semelhante às antigas e bucólicas “Marias-fumaça” ao se aproximarem dos topes das ladeiras nas linhas férreas que tanto contribuíram para a integração brasileira, no século passado...

E enquanto os abnegados – ou conformados operários metalúrgicos suavam a cântaros, tanto se esforçavam nos seus postos de trabalho exalando o indefectível cheiro de óleo lubrificante, eu fazia que também trabalhava duro... E até pose fazia na minha limpa e organizada bancada de exames naquela linha de ponta da mais alta tecnologia de injeção diesel.

Examinando peças e mais peças destinadas ao mercado automotivo internacional, além de garantir sua inatacável qualidade, eu sempre encontrava uma brechinha para sair pela “vizinhança”, a xeretar a vida dos colegas e o disse que não disse da “Rádio-peão” local... E não é que sempre retornava com uma boa bagagem de assuntos e fofocas para “doisdedotilografar” na minha pequena coluna assim-meio-assim-poético-racional, ao chegar à minha casa, de madrugada?

Aquela tarde-noite prometia bem mais que pesada e longa rotina de trabalho, até pelas novidades que certamente chegariam, com a nova turma de operários recém-contratados. Não que os veteranos estivessem religiosamente dispostos a recebê-los com abraços e beijos... Muuiiito pelo contrário!

Se trote em calouros nas universidades sempre foi uma coisa bastante controvertida... Naquela linha de produção, nem se fale. Coitados dos novatos!

- He, cambada! Vejam só o “morro” de comida na bandeja daquele magrelinha que acaba de ser contratado... Olhe só aquilo, Bocão! Esse sujeitinho pediu pra ser magro... Mas é de ruindade, isso sim.

- Tô vendo, Carlão! Vamos ver lá na linha de produção se o danadinho vai carecer de empurrão pra trabalhar, né?

- Podem me chamar que pra "empurrar" eu tô sempre bem disposto, companheiros. Emendou o Zé Encrenca, o xerifão do lugar.

- Fiu, fiu, fiu, magrela! Fique frio, que nóis vai chamar o guindaste dos Irmãos Passaúra pra levar teu bandejão de rango até a mesa, qué, qué, qué! Mas diga lá, você conhece aquele ditado que diz que o sujeitinho pra comer é um leão, mas pra trabalhar é só no empurrão?... Será que ele não foi feito pra você, irmãozinho? Arrematou Carlão, o respeitado cipeiro da secção, e líder de produção na linha em questão, completando as boas-vindas ao novato que fora pego pra cobaia nos “testes” de paciência, resistência e truculência.

Do início da jornada naquele modorrento e estafante segundo turno, até a hora do rancho era um sufoco o ritmo de trabalho da linha, que produzia bicos de injeção para praticamente todos os países. Em compensação, na parte da noite e início de madrugada, saísse de perto quem não apreciasse uma boa piada...

- He, turma, vamos pegar no pé daquele novato mais velhinho ali? Venham pra perto do pobre coitado, venham, que hoje tem sobremesa de sacanagem pra cima da recrutada...

- Valeu, Carlão, valeu! Isso é que é líder... Digo isso em teu favor, sentado em cima de dezenas de anos de experiência na atividade metalúrgica, companheiro. Puxa-sacou Zé Encrenca, o temido xerifão do lugar.

-Intima o velhote lá, Zé Encrenca... Só veja que não se urine de medo nas botinas novas, he, he, he!

- Tá certo e justo, Carlão...

Como um raio, Zé Encrenca atravessou os corredores, gritando e gesticulando que nem doido quando vê a luz do sol...

- He, seu Juscelino! Vem cá que tem uma pequena reclamação contra o senhor, lá na mesa do seo Carlão, nosso chefe querido... Mas vá se preparando que o homem não é de fritar bolinho sem gordura, sô! Não se esqueça que o sinhô tá em estágio "provatório", Véio diuma figa!

- Minha comadre, quenguinha da minha vida! Mas o que é que eu podia ter feito de errado já no primeiro dia de trabalho, seu Zé Encrenqueiro?

- Êpa, êpa, êpa! Não se achegue demais que a tua coberta é das bem curtinhas, Véio! Vejo que ocê nem bem aqui chegô... E já tá querendo si espichar, é? Mas deixa que já te passo o recadinho de sobrevivência daqui, Véio. Porque aqui é assim: ajoelhou e não rezou, o bicho pega... O bicho pega e come, tá entendendo?

- Tô, tô, seu Zé Encrenqueiro, tô entendendo... E depois, eu cheguei aqui foi pra ficar... Nem pensar em perder esse emprego, seu Zé Encrenqueiro. Nem pensar.

- Mas o qué que tô ouvindo, Véio? Vá sabendo que Zé Encrenqueiro é a mãe, tá certo seu fio da puta diuma figa?

- He , não precisa se zangar tanto assim... É que a turma toda chama o senhor assim: Zé Encrenqueiro!

- Pupupuputaquiopariu memo, Véio! Ocê foi mandado aqui pra me azucrinar, foi? Não me arrepita essa palavra nunca mais, ou não respondo mais por mim, certo, Véio?

- Tá certo, mas o meu nome também não é Véio, mas Juscelino... E o seu nome de fato e de direito, qual é, hein... Seu Zé Encrenqueiro?

- Huuuurrrrr, corra! Véio diuma figa, corra! Corra que o bicho vai te pegá e é agorinha mesmo, era só o que me faltava, perdê prum recruta...

E não é que o famigerado Zé Encrenca não pegou e nem conseguiu trazer o novato Juscelino para ouvir o sermão de mentirinha do chefe Carlão?

Calma, calma, amigo leitor! Essas nossas es(his)tórias vão longe, beeeeem longe...

...heheaiaiaiaiaiiii.

P.S.: Caso você tenha gostado deste meu singelo CONTO sobre as minhas valiosas e saudosas "experiências comunitárias", realmente vividas e convividas com milhares de ativos, alegre e interativos companheiros no ambiente metalúrgico, esteja desde já convidado (a) a seguir na sua leitura, acessando os demais textos desta minha série de SETE CONTOS sobre o divertido, mas importante assunto...

Grato,

Acir Niz

O

Poetinha Armeniz Müller.