O GALO SIMEÃO

O galo Simeão não tem companhia, vive sozinho!

O bípede mais antigo, foi o único que restou na Fazenda São Carlos. As galinhas morreram de uma estranha doença que as deixavam tristes e deprimidas. Alguns frangos acabaram na panela antes da morte natural. Os pintainhos órfãos, terminaram no bico dos gaviões, que habitam as matas no fundo da fazenda. Outros morreram por falta de cuidados maternos ou atropelados pela existência.

Simeão vive a vida com fartura, pois divide o coxo com os cavalos de lida, comendo as sobras do milho. Contudo vive isolado e seu canto revela alguma tristeza nas manhãs claras da região. Ademais, cisca o dia todo na imensa área, debaixo dos pomares, barracões e currais que lhes pertencem e onde é rei solitário, sem súditos, amigos nem esposas.

Há outros animais que dividem este universo com ele, como gatos e pequenos coelhos que vivem se multiplicando, além dos cachorros, a força militar do pedaço. Contudo todos vivem harmoniosamente. Os passarinhos são muitos e fazem um enorme alarido quebrando a monotonia e as vidraças aquecidas de sol e silencio.

Só há um morador incômodo, o Bito, um pequeno carneiro Suffock, branco da cabeça preta, criado na mamadeira, pois foi rejeitado pela mãe. Ele anda por todos os lugares, sempre curioso e sempre dando suas cabeçadas em qualquer um que ele desaprove. Outro dia deu uma cabeçada no velho Mateiro, o cachorro mestre de caça, que dormia sossegado e acabou tomando umas boas mordidas. Mesmo assim não se emenda e vive provocando. Tem complexo de rejeição, o infeliz.

De manhã, bate nas portas do caseiro, querendo sua mamadeira e quando a porta é aberta, corre para cozinha e fica próximo da geladeira, de onde pensa que vem o leite. Os gatos o odeiam, por conta de suas brincadeiras estúpidas e fora de hora. Cada tapão na cara, mas o bicho não se emenda.

Simeão cumpre sua rotina. Bito adora correr atrás dele para dar-lhe suas cabeçadas, mas ele foge rápido, fazendo corridas em zigue-zague ou dando pequenos voos para longe do carneirinho chato. Simeão é muito rápido e tem um instinto de sobrevivência admirável. Já escapou dos ataques de raposas e ararinhas e mesmo de uma onça, que ronda a fazenda atrás dos carneiros ou algum alimento fácil ao invés de caçar na mata, especialmente quando os cachorros estão ocupados, caçando tatus na noite com Adamastor, o peão e único morador da fazendinha.

Simeão, funciona como relógio. Às 10 para as 5.00hs da manhã, normalmente, ele emite seus cantos, intercalados por alguns segundos, chamando o dia para nascer e os homens para suas realidades. Depois do chamado, a manhã faz seu "début" diário, mansamente, soluçando pelas gotas de orvalho, entreabrindo-se entre as últimas luzes do arrebol, primitiva, um pouco tímida é concebida entre vagas de luzes pungidas, vozes de pássaros e as bênçãos do sol.

Contudo, o destino reservava más surpresas para o velho Simeão que acabariam para sempre com sua doce rotina. Um sábado à tardinha, resolveram fazer de Simeão, o prato principal do almoço de domingo. para celebrar o aniversário de Dudú o único herdeiro de Adamastor. Tentaram agarrá-lo, Simeão, no entanto, Simeão driblou-os e fugiu rápido.

O dono atiçou, então, os cachorros para apanhá-lo. Simeão correu tudo que podia, dando dribles desconcertantes nos dois cachorros, exímios caçadores e voando há alturas inimagináveis quando estes estavam perto de abocanhá-lo. Num desses voos, subiu no telhado da cobertura do curral, escalou até a cumeeira e lá ficou, olhando desconfiado, a salvo dos seus predadores. Mas Adamastor não se deu por vencido, junto com seu filho de 10 anos, resolveram colocar uma escada e subir no telhado para espaventar Simeão de volta ao solo, ao alcance dos cachorros. Simeão, no entanto, deu um carreirão pelo telhado cumprido de duas águas, como se fosse uma rampa de lançamento e lançou-se no ar num voo espetacular.

Ventava muito, como acontece antes das mudanças de estação na região quente de Marilia/SP e ele ajudado por uma forte corrente de vento, começou a ganhar alturas impensáveis, batendo as asas cada vez mais forte, mantendo a altitude do voo. Assim voou rumo à mata grande, pousando desajeitadamente num Ingazeiro, já próximo da mata.

Em seu voo delirante, ele acabou escapando dos seus perseguidores, mas sua aterrissagem, contudo, foi desastrosa. Entrando na copa da árvore baixa em alta velocidade, uma de suas asas se partiu e ele ficou enganchado num conjunto de galhos e lá ficou dependurado!

Adamastor encontrou somente suas penas, no outro dia, quando iniciara uma busca pelo galo fugidio. Talvez tenha sido devorado por uma jaguatirica ou ariranha que abundam na área próxima à mata.

Assim terminou a saga de Simeão, o último dos moicanos. Adamastor comemorou o aniversário do seu filho, comendo carne bovina, lagarto fatiado, recheado com cenoura. A fazenda voltou, então, a sua rotina enfadonha e costumeira e a vida seguiu com suas cores cinzentas, seu curso ignoto de sempre!

Dizem, no entanto, que o canto de Simeão ainda é ouvido, por aquelas bandas, sempre antes do sol nascer, exatamente às 10 para as cinco, quando a madrugada entorpecida fecha suas cortinas um tanto transparentes e passa a bola para o dia ainda fresco, nascer, inocentemente e inexplicavelmente alegre.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 06/05/2017
Reeditado em 05/05/2019
Código do texto: T5991613
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