Genésio sabia. Seus dias estavam, como se diz, contados. Culpas muitas, causas tantas, inimigos vários: Genésio sabia que, cedo ou tarde, estaria diante da morte.
Tentou fugir, mas não conseguiu, pois a aldeia estava sitiada. Em cada curva da estrada, havia alguém armado, esperando a sua fuga. E ele teve de voltar correndo para a aldeia.
À noite, vieram os amigos para celebrar a sua despedida. Genésio recebeu todos em seu casebre, servindo copos de licor de menta, pedaços de carne de quati e música cigana. Comeram, beberam, dançaram até o sol raiar. O sol mostrou seu olhar e os amigos saíram cambaleantes para os seus lares. Só Genésio não cambaleava, pois havia passado a noite inteira fingindo que comia, bebia, dançava.
Pensou em fugir mais uma vez, mas como? A cidade o oprimia: um muro amanheceu no meio de sua rua e cães furiosos rondavam a sua casa.
Pensou em sua alma. Pensou na vida após a morte. Pensou em Deus.
Genésio saiu do casebre, driblou os cães, pulou o muro, pegou emprestada a bicicleta de seu primo Anacleto e pedalou até a capela de Nossa Senhora da Ajuda. Chamou o padre e este ficou um tanto aturdido ao ver Genésio ali.
Genésio disse que queria confessar os seus pecados. O padre disse: "antes tarde do que nunca!"
E Genésio falou de coisas escabrosas, crimes inconfessáveis (mas, à beira da morte, qualquer um fica maleável...), orgias, bebedeiras, picos tomados, laricas, roubos, estupros, maledicências, estelionatos, vinganças, iras, espancamentos, sodomias, algolagnia, "chuva dourada", "fist fucking" e outras patifarias. O padre tremia: parecia que a encarnação do diabo resolvera falar de suas aventuras.
Duas horas depois, o velho padre cumpriu o seu dever e perdoou Genésio. E, não sem ironia, disse: "vá e morra em paz!"
Mais leve, Genésio desceu para a rua. Pegou a bicicleta e decidiu voltar para seu casebre.
Após pedalar por uns cinco minutos, avistou o senhor de seu destino: Mané Cadáver, notório pistoleiro daquelas bandas, responsável pelo fim de mais de sessenta homens, mulheres e crianças, um homem tido como sem alma, sem coração, sem tripas, um zumbi de colt .45 em punho. Genésio fechou os olhos e se perguntou: "verei Deus?"
Parou, desceu da bicicleta e decidiu que iria morrer como um homem. Mas todos os homens morrem...
Abriu os braços. Trincou os dentes. Esperou a dor. Queria que fosse rápido o seu fim. Mané ergueu o colt .45 e o apontou para o peito de Genésio. Deu o primeiro tiro. A bala zuniu próximo à orelha esquerda de Genésio.
O segundo tiro.
O revólver falhou.
Mané tentou novamente.
O revólver engasgou.
Mané gritou um sonoro puta-que-pariu.
O revólver não ouviu.
Falhou novamente.
Mané baixou a arma e, com um leve sorriso, disse que o santo de Genésio era muito forte, que seu revólver nunca falhara antes.
Genésio sentiu o calor de sua urina em suas pernas, mas ainda teve valentia suficiente para perguntar: "vai ser à faca mesmo?"
Mané rindo: "um dia, eu teria de falhar em meu ofício. Calhou de ser hoje. Calhou de ser você. Vai pra tua casa!"
Mané montou em uma moto velha, que estava encostada a um poste e sumiu na estrada. Genésio olhou para o céu e viu quando uma nuvem branca cobriu, por alguns segundos, o sol. Decidiu que a vida agora seria diferente.
Montou na bicicleta, deu duas pedaladas e nem percebeu quando um caminhão desgovernado passou por cima de seu corpo.