Grão

Casimiro olhava os calos que saltavam de suas mãos com um sorriso no rosto. Não havia mal em trabalhar. Era cabra homem, não fugia de dificuldade. Catorze anos. O que aparecesse pra ele fazer ele fazia, sabendo ou não, dava um jeito. Só não iria roubar. Deus havia de ser misericordioso e se contentaria com seu suor e suas lágrimas, a honra ele resguardaria. Ao menos um grão. A mãe que dizia. De um último grão, ela cresceria.

Mas ainda que tantas preocupações pudessem existir, ele apenas pensava nas economias que havia feito esperando que Seu Nonato viesse e trouxesse sua encomenda. Era o capítulo final de seu quadrinho, ele aprendera a ler com eles havia um ano. E mesmo que quisesse negar, era tímido e ainda... ainda não tinha feito aquilo... acabara se apaixonando pela vida nos quadrinhos. Não era do tipo paixão amorosa, era mais do tipo paixão de sacrifício. Ele entendia sem que se desse conta que a imaginação era uma riqueza imparcial mesmo que sua barriga só tivesse vento. Pensava em um monte de coisas sem sentido e se esquecia que o mato da casa do Seu Arlindo parecia intransponível. A enxada aqueceu seus calos. Trabalhar. Não sobraria uma moeda do dinheiro. Nunca sobrava.

Serviço terminado, um aperto de mãos e uma cédula, esse era o final de seu dia. Em sua mente nada além da imagem de Seu Nonato com a bolsa cheia de coisas da cidade sob o olhar de espanto de todos enquanto eles escolhiam o que queriam. Seu Nonato se contentava com 100% de lucro porque era honesto, mas se quisesse poderia triplicar sua receita. Ele sentia valor no que fazia pois não era pensando nele que punha os preços nas mercadorias, mas sim nos filhos que estudavam fora. Mandava duas vezes no mês o que podia para eles e por muitas vezes apenas uma carta com desculpas. Gostava de Seu Nonato. Casimiro sabia que ele não esqueceria de sua revista tão aguardada. Era o capítulo final e ele não sabia quantas vezes iria reviver aquela aventura. Pagaria quando pudesse, Seu Nonato nunca o cobraria. Ler foi a melhor coisa que lhe acontecera. Fazia esquecer tudo. Tudo que era ruim. Incertezas... Os outros diziam que ele não comia livro e que era melhor plantar macaxeira com o pai.

Ele, fingia não ouvir. Já havia se acostumado com o roncar da barriga...

Edgar Lins
Enviado por Edgar Lins em 12/06/2017
Reeditado em 13/06/2017
Código do texto: T6024975
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