Caloura-Veterana

Numa dessas faculdades “paga entra”, de cursos especialíssimos de bacharelado em coquetéis, tecnólogo em ambientes, bacharelado em rótulos e embalagens, tecnólogos em embutidos e afins (?), curso superior de botas e calçados, curso superior de surf - isso mesmo, um curso superior de surf -, Mary com seu meio século de inquietude e beleza inscreveu-se para o Curso Superior em Cosmetologia e Estética.

Até aí tudo bem, afinal o nome é bonito, e para quem gosta de beleza é uma faculdade de prato cheio e de futuro. Qual mulher não se preocupa com a aparência?

- Aprender a fazer perfumes e cremes, cuidar da pele sempre foi à vontade de Mary. Dizia sua mãe para a vizinha.

-É! Nunca é tarde! Retrucou a vizinha com cara de fuinha, balançando a cabeça, como se estivesse querendo falar da idade da “Mary”.

Desnecessário dizer que com o custo de quase mil reais mensais a aprovação do “currículo escolar” de Mary foi imediata e com mérito.

- Qual o dia melhor para tu pagares a mensalidade? Perguntou a grossa atendente da secretaria da Faculdade.

- Dia 30, todo o final do mês é melhor para mim.

- Então tu vais até o Banco e paga uma taxinha para garantir o dia do

pagamento.

Mary não entendeu, mas estava entusiasmada e correu ao banco para pagar a referida taxa de R$ 35,00. Esbaforida, subiu quatro andares (faculdade não tem elevador, sabiam?).

Entrou na sala cujo número a atendente grossa lhe dera.

Sentou e ficou assistindo a uma velha com sotaque castelhano falar sobre as características da libélula e a metamorfose da lagarta. Quando a professora começou a falar sobre as propriedades de regeneração do rabo da lagartixa foi que ela começou a desconfiar que estava em sala errada.

E o pior, estava! Com mais de meia hora de atraso, conseguiu finalmente descobrir o local de sua sala de aula.

A sala parecia uma cela do ex Carandiru.

Onde cabia trinta, estavam sessenta.

- Pelo visto é um curso bem concorrido! Pensou Mary, com seus botões, aliás, com seus zíperes.

Entrou, sentou e, após 45 minutos, a professora ainda falava da beleza de Marco Antônio e Cleópatra.

O seu estômago deu o primeiro sinal de reclamação. Desta roncada em diante, nem a beleza de Brad Pitt conseguia chamar mais a sua atenção.

Pausa e a corrida para a lanchonete.

Quatro andares de escada com um sapato de bico de matar barata no canto da sala e um salto de oito centímetros.

Na chegada à lanchonete, ou melhor, próximo a, porque a fila dobrava na entrada da secretaria, desistiu e retornou para a sala de aula (agora certa) com fome e com os pés doendo.

Tentou esquecer a fome analisando os “amiguinhos da sala”: na sua direita, uma senhora aparentando sessenta anos mastigava chicletes. De quando em quando um “ploft” - mais para plôôft, porque ela abafava o som da bolinha que fazia com a língua.

Na esquerda, uma jovem com o físico do Myke Tyson e cara de Angelina Jolie, uma mistura surrealista.

Na sua frente, uma moça alta com cabelos cor de fogo e maquiagem de três dias, isto é, escorrida e carregada. Colocou em prova a sua capacidade de dedução feminina.

-Será um travesti? Esperou pela chamada e teve a confirmação. Chamava-se Natanael.

No meio deles, sentiu-se um pouco desconfortável.

Na mudança do professor, procurou um lugar disponível e foi aí que se deu conta que havia um homem na sala. Entre sessenta e duas mulheres, um macho com cara e jeito de macho fazendo um curso superior de cosmetologia? Alguma coisa estava errada!

Mary não permitiria que esses pequenos detalhes estragassem sua vontade de fazer a faculdade de seus sonhos.

No retorno, quando fui buscá-la, ela me perguntou:

- Kia, o que você acha de eu estudar Nutrição?

- Legal, é um curso bem interessante e tem futuro!

(Ainda estou rindo)

Eu conheço minha mulher.