Essa minha amiga

Não sei por que falam mal dessa minha amiga. Penso que por seu jeito desligado que a faz parecer desleixada ou fora de órbita. Mas isso não pode ser motivo, ou será que os padrões são tão rígidos? O que não falta são palpites de gente que não vê o próprio umbigo. É tal de: por que não faz isso? Por que não faz aquilo? Verdade é que não a conhecem como eu, de perto sua alma, que irradia bondade atrás do riso. Se acorda tarde é porque às duas da madrugada, sua janela ainda tem luz acesa. É seu costume, se bem que ninguém tem nada com isso, vive dos próprios recursos. Faz vez ou outra um curso de artesanato e vende o mimo das suas prendas às caixas dos supermercados. Uma vez por semana lava chão, lustra móveis, passa roupa num trabalho de diarista. Volta de noite pensativa e a cada dia mais distante do sonho de ser artista. Nesses dias dorme cedo e assim como nos outros acorda tarde. Está cansada, se bem que ninguém tem nada com isso.

Lembro-me de vê-la um dia me esperando à porta. Voltava para casa desesperançado e sem mais um tostão da venda do carro que gastara ao longo de dez meses desempregado. Lá estava ela, essa minha amiga, com uma nota de cinquenta reais na mão abanando a cédula enquanto me dizia: Toma, achei caída no chão quando caminhava pela rua. Você precisa mais do que eu nesse momento.

Sabia que mentia e que era dela o dinheiro. Dava-me de bom gosto sabendo da minha situação. Isso ela foi capaz de fazer, e se o resto não faz, não é por maldade, o que lhe falta é sabedoria. Aliás, é o que me falta mais que a ela.