Conto das terças-feiras - Jovens do interior

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 8 de agosto de 2017

Edileusa estudou até a quinta série, era o último nível escolar oferecido em sua pequena cidade. Para continuar, seria necessário ir para uma cidade maior que a sua, ou, então, para a capital. A vida no interior era só sacrifício. Além de estudar, tinha a obrigação de ajudar à mãe, a responsável pela sustentação da casa, que, para isso fabricava redes de dormir. Também bordava toalhas de mesa, panos de pratos, centros de mesa, pela técnica do ponto de cruz, trabalho que fazia até altas horas, sob a luz de lamparina. Em época de plantio e colheita de milho e feijão, Edileusa trabalhava no campo, trabalho duro e pouco compensador financeiramente.

O ambiente familiar era constituído por sua mãe, ela e mais quatro irmãos menores, o pai viajara para São Paulo, à busca de emprego, nunca mais voltou e permaneceu calado por toda vida. Entretanto, o sonho de Edileusa era estudar na capital, uma sedução, tentar ser alguém. Para isso teria que trabalhar para se sustentar. Como não tinha habilidade laboral e não sabia ler muito bem, a única opção seria trabalhar como empregada doméstica.

Na pequena cidade em que ela morava predominava fazendas de gado. Seus donos moravam na capital e suas esposas estavam sempre precisando dessa mão de obra barata, sem encargos fiscais e carteira assinada, isto é, teria patroa, patrão, mas sem direitos trabalhistas. A preferência era por mocinhas de até 16 anos, sem experiências e juízo formado das coisas. Assim, seria mais fácil dominá-las.

A verdadeira história da aventura e desventura de Edileusa teve início numa tarde de domingo do mês de julho de 1958, quando uma elegante senhora, esposa de rico fazendeiro do local, desceu de um Pontiac Bonneville, do mesmo ano, importado, na casa da mãe de nossa protagonista. Ela procurava por uma mocinha para trabalhar em sua casa, na capital. A mãe da mocinha a recebeu com alegria, era o sonho da filha, deixar aquela sofrida vida, o penoso trabalho no campo e o futuro incerto. A menina teria alojamento, comida e uma família para cuidar dela. Na esperança da mãe desamparada, a filha ainda teria um salário mensal e poderia contribuir para a subsistência dos demais da casa, que continuariam na labuta do dia a dia ao lado da mãe.

Chamada à porta da casa, Edileusa de pronto adivinhou o que estava se passando. Um largo sorriso surgiu na face da linda garotinha, embora maltratada guardava ingênuo olhar. A rica senhora se espantou com a beleza e a tenra idade daquela que seria sua nova colaboradora. Ela deixou escapar um ar de preocupação, não revelado à mãe, mesmo assim, continuaram as tratativas para a transferência de Edileusa para a capital, o que aconteceu naquela mesma tarde de domingo. Já à noite, patrão, patroa e a nova moradora da mansão dos Barbosas desembarcaram na grande garagem, que fazia parte do magnífico cenário arquitetônico da luxuosa residência. A menina olhava de um lado para outro, deslumbrada. Nunca tinha visto aquilo, a cena que era mostrada aos seus olhos não pertencia ao seu imaginário. Cada qual pegou seus pertences, que eram poucos, necessários apenas para um fim de semana na fazenda, lá eles tinham tido o que precisavam. À menina, não lhe foi permitido trazer nada, só a roupa do corpo e a sandália de borracha que estava usando naquele dia.

A primeira atividade da menina do interior, conforme ordenou a patroa, foi tomar demorado banho, com sabonete e shampoo. A recomendação era para ela passar lavanda perfumada pelo corpo, logo após o banho. A senhora Barbosa tinha uma coleção de vestidos e peças intimas, já utilizadas por assemelhadas de Edileusa, alguns dos quais foram repassados para a recém-chegada. A indicação era para serem usados e mantidos em perfeito estado de conservação. A rotatividade das empregadas da casa era bastante grande. Após o banho a menina se apresentou à patroa, na grande sala de jantar. Foram passados alguns avisos para ela, com a preocupação principal de não molestar seus filhos, quatro adolescentes de 14, 15 e dois de 16 anos, gêmeos. Edileusa ouvia tudo calada, só balançava a cabeça, em sinal de concordância. Em seguida lhe indicaram o cômodo, ao lado do banheiro e sanitário, no qual a pequena iria dormir a partir daquela data: uma cama de solteiro; um pequeno guarda-roupa, com toalhas de banho e rosto, alguns sabonetes, escova de dentes e pasta dentifrício para higiene bucal. Tinha ainda um frasco de lavanda e outro de leite de rosas, para as axilas.

Na manhã seguinte a garota foi acordada muito cedo, ação costumeira para ela. Uma empregada de muito mais idade lhe deu as primeiras ordens. Varrer a sala de jantar, colocar o lixo acumulado na cesta de lixo, para fora da casa, colocar a toalha na mesa para o café da manhã e lavar o que ia sendo sujo pela empregada. Depois da mesa posta pela velha senhora, os moradores começaram a aparecer. Primeiro os gêmeos, depois os dois menores. Estavam prontos para irem para o colégio, levados pelo motorista da casa. A garota, por ordem da empregada, postou-se respeitosamente a uma distância da mesa, ela iria atender as solicitações dos filhos da patroa, caso estivesse faltando alguma coisa à mesa.

Ao entrarem, os rapazes se depararam com aquela figura linda e imóvel próximo à mesa. Entreolharam-se e sorrisos marotos se fizeram presentes nos rostos corados dos adolescentes. Ela não percebeu, estava de cabeça baixa, tímida e envergonhada. Era a primeira vez que os via. Na noite anterior eles não estavam em casa e nada sabiam da nova habitante da mansão. Como estudavam em escola de tempo integral, eles só a veriam novamente à noite. Naquela manhã nada lhe foi pedido durante o café. Mais tarde a patroa desceu, chamou Edileusa e deixou as instruções para todas as suas atividades diárias na casa. Aí, a garota percebeu que não haveria espaço para os seus estudos. Também não se falou em salário. Não teve coragem de perguntar o motivo. Não queria perder o seu primeiro emprego, já no primeiro dia.

Quatro semanas se passaram sem sobressalto. Aos poucos ela ia aprendendo seu ofício, e muito bem. Por isso, às vezes, recebia elogios da patroa. Ela já andava desenvolta pela casa, sempre com largo sorriso e distribuindo sua simpatia, a granel. Todos estavam satisfeitos com o comportamento dela, principalmente os adolescentes. A menina havia adquirido alguns quilinhos e sua formosura ficava mais aparente, o que chamava a atenção dos garotos da casa. Olhares maliciosos eram dirigidos para ela, que, por ingenuidade, nada percebia. Na mansão ela completou seus quinze anos de idade, ninguém comemorou, nem ela mesmo, nada sabia sobre esse tempo de vida para as jovens mulheres. Não conhecia a importância desse rito de passagem ou iniciação, simbolizado pela troca de uma boneca por um anel. Ela não sabia que estava passando da infância para a condição de adolescente, também não entendeu que aquele sangue entre suas pernas, ao acordar, significava que estava menstruando, que estava virando moça. Só foi saber quando, pela manhã, falou para a cozinheira da casa o que havia se passado. As explicações da velha senhora não resolveram sua curiosidade, mas deixou para lá.

Certa noite ela percebeu alguém forçando sua porta enquanto se preparava para dormir. Foi até à porta e abriu-a, pensando tratar-se da patroa. Era o filho mais velho, o de 16 anos. Ela não se assustou, pois todos eram amáveis para com ela. O garoto empurrou a porta e entrou, ela assustada ficou imóvel. O garoto agarrou-a pela cintura e, com sofreguidão, procurou sua boca tentando pôr sua língua em contato com a dela. Quase desfalecida ela não retrucou, o garoto assustou-se, deitou-a na cama e saiu cuidadosamente. Não queria chamar a atenção da cozinheira, que dormia no quarto ao lado. A menina acordou, passou a mão sobre os lábios para saber se estavam machucados, tal a força empregada pelo rapaz. Pela manhã não encarou o seu visitador noturno e também não denunciou o ocorrido para ninguém.

Passadas duas noites, o mesmo garoto apareceu na porta da garota, com as mesmas intenções da última visita. Ela, para não fazer escândalo, abriu a porta com cuidado, deixou-o entrar e permitiu que ele a beijasse. Era a primeira vez que ela experimentava aquela sensação de flutuar, aquele calafrio descendo pela espinha, aquele frio na barriga, aquele abandono e aquela tremedeira nas pernas. Ficaram assim por alguns segundos, ela se afastou e ameaçou gritar. Mais que depressa ele saiu do quarto. Na manhã seguinte parecia que nada havia acontecido. Depois de três tentativas nas noites seguintes, ela permitiu que ele entrasse novamente. Ficaram mais tempo, agora mais íntimos, em carícias mais ousadas, ela estava realmente nas nuvens. Era sua iniciação sexual, sem penetração, que ela desconhecia. Ela também não sabia que estava abrindo a porta para os gêmeos, muito parecidos.

Por algum tempo essas visitas noturnas consentidas aconteceram, sempre sem penetração. Eles já não se aguentavam de tanta excitação. Certo dia não foi possível evitar, ambos embriagados pelo sexo se permitiram a consumação, a virgindade foi quebrada. Não houve arrependimento, o prazer falou mais alto! A menina havia virado mulher, seu castelo de areia se desmoronou, seu futuro estava delineado de forma desconhecido por ela. Mais uma vez a relação sexual entre o filho da patroa e a empregada doméstica, hábito social banalizado à época, demarcava as diferenças sócias e de gênero. Ao homem, nada era imputado. À mulher, o silêncio, e se engravidava, a vergonha e a perda do emprego. Edileusa, com o tempo, aprendeu a se preservar quanto à gravidez. Depois da partida dos gêmeos, que saíram para estudar em outro Estado, entraram na roda os irmãos mais novos. Assim, ela conseguiu se perpetuar no emprego até os irmãos dos gêmeos deixarem a casa dos pais. Edileusa era, assim, a responsável pelo rito de passagem ligado à introdução do adolescente às práticas sexuais.

Em casos semelhantes, as relações sexuais entre filhos da patroa e empregadas recebiam o consentimento velado dos pais ou parentes do sexo masculino, testemunhos da masculinidade de seus adolescentes. À mulher, jovem e de classe social menos favorecida, cabia-lhe o papel de fornecedora de seu corpo para essas práticas. Experiência bastante traumática, isso não era levado em consideração.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 08/08/2017
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