APELIDO*

Reinava um silêncio satisfeito entre os dois enquanto saboreavam um lanche na praça de alimentação do shopping, contrastando com o burburinho das pessoas que conversavam e passavam de um lado para o outro. De repente o adolescente fixou o olhar em um ponto.

-O que foi filho?

-Você conhece aquele homem ali pai? Ele não para de ficar nos encarando.

-Quem?

Virou-se para o lado e o apontou. Sorriu satisfeito, levantou-se e foi de encontro a pessoa.

-Nossa! É um amigo de Miracema do Norte. Espere um pouco que eu já venho. E aí Marquinhos!

Os dois deram um longo e efusivo abraço, conversaram animados um pouco e se encaminharam até a mesa.

-Marcos, este é meu filho Antônio.

-Rapaz, que grande! Menino bonito, deve ter puxado a mãe. Prazer.

-Sente-se um pouco para a gente conversar, colocar a prosa em dia.

-Não dá, tenho que levar a namorada para casa. Olha ali como a moça já está contrariada. Me dá seu telefone.

Anotaram os respectivos números cada um em seu celular e abraçaram-se de novo.

-Até mais. Me liga! E manda um chute na bunda do Claudionor, aquele outro sumido.

-Pode deixar. Eu passo seu telefone para o meu irmão.

Sentou-se. O filho o observava intrigado.

-Pai, você tem outro irmão além do tio Douglas?

-Não, ha ha ha. Esse era o apelido dele na nossa turma.

-Mas Claudionor é apelido, pai? O normal é Bin Laden, como o meu, ou Bolacha, Psicopata, Tampinha, igual o dos meus amigos. Outro nome assim eu nunca vi.

-Tem um motivo. Bem... Eu não devia te contar essa estória. Você tem que me prometer que não vai falar nada nem para sua mãe e nem para o seu tio, senão eles me matam.

-Prometo.

-Você sabe que meu irmão é dois anos mais velho do que eu. Só que quando eu tinha sua idade, 15 anos, ele era o único na turma que ainda era virgem. Havia namorado três anos uma menina que fez o maior "doce" com ele e deu para o primeiro cara com quem saiu depois que eles terminaram.

-Sério pai?

-Seríssimo. Seu tio ficou arrasado, chorando pelos cantos. Não saía mais com os amigos e começou a ir mal na escola, bem no último ano do colegial. Eu e mais dos caras da "patota" fizemos uma vaquinha e combinamos de pagar uma profissional para resolver o problema. Só que em Miracema só tinha uma "casa da luz vermelha", que não deixava menores entrarem. Por isso fomos na cidade vizinha que era maior e que as "meninas de moral duvidosa" faziam ponto a noite em uma rua.

-Nossa!

-Que fique bem claro que eram outros tempos e em um outro lugar. Não vai inventar de fazer isso aqui na capital que você vai arrumar problemas. Bem, chegou o aniversário dele, o colocamos no fusca de um dos "parças", como vocês dizem, e pegamos a estrada. Imagina a animação! Fomos brincando o caminho inteiro. Chegando ao nosso destino, rodamos bastante até achar alguma que o agradasse. E ele escolheu bem! Uma morena bonita com um corpão, umas pernas! Encolhemos os três atrás e ela foi na frente. Se a gente tivesse mais dinheiro teria comprado uma suruba, de tão excitados que nós estávamos. Mas a grana era tão curta que nem para pagar um hotel dava. Fomos até um "matel" que o motorista conhecia...

-Um o quê?

-"Matel". Vai dizer que nunca levou uma menina para fazer umas sacanagens em um local deserto?

-Ah pai.

-Tá. Era um terreno baldio que o povo usava para "encontros amorosos". Antigamente era isso que se fazia nesses lugares. Hoje é só não cuidar de um lugar que ele enche de nóias. Mas enfim, voltando, assim que chegamos seu tio pegou um edredon no porta-malas e se embrenhou com a fulana no matagal. Nós ficamos no carro, bebendo e conversando. Nos sentindo os maiorais pelo que estávamos fazendo.

O pai muda de tom e começa a dar mais enfase a narração.

-Deu uns dez minutos seu tio me sai correndo de lá. Só de cueca! Branco, branco, branco. Falou quase sem voz:

-É, é, é... É homem!!

-Ha, ha ,ha! O "cabra" me sai logo atrás, ainda colocando as roupas. Entramos correndo no carro, deixamos o edredon e a roupa do meu irmão para trás e saímos cantando pneu!

-E o...?

-Deixamos lá! O que foi uma baita sacanagem, porque o lugar ficava uns quatro a cinco quilômetros de onde nós a pegamos. Ela chegou a atirar uma pedra no teto do carro.

-Ha, ha! Coitado do tio! Mas isso ainda não explica o apelido.

-Você não espera eu molhar o bico. Depois nós quatro ficamos mudos dentro do carro. Seu tio só de cueca, com uma blusa emprestada, no banco da frente. Ele se cansou daquele silêncio envergonhado, pegou sem ver uma fita K7 no porta-luvas e enfiou no rádio. Era uma gravação do Demônios da Garoa e estava parado bem nessa música.

Começou a batucar com as mãos e a cantar.

-"Naquele instante , que beleza de romance

Eu exalando desejo

Você o perfume da flor

"Como é seu nome"? - eu perguntei; você me disse:

As amigas me chamam Clarice

Mas meu nome é Claudionor."

Aristoteles da Silva
Enviado por Aristoteles da Silva em 15/08/2017
Reeditado em 29/03/2022
Código do texto: T6084511
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