Hip-hop
- Internet?
Ian Manzanedo deu uma risada e balançou a cabeça. Depois, pegou uma pedra à beira do acostamento e a atirou para o mar sobre o muro do Malecón. A tarde de segunda-feira ia pelo meio, e o lugar estava quase deserto, embora estivéssemos praticamente no centro de Havana.
- Eu só fui ter um e-mail em... 2002, creio.
Perguntei-lhe como haviam tido contato com o hip-hop, com todas as limitações impostas pela falta de internet e pelo embargo comercial dos EUA.
- Pelo rádio, é claro. Sintonizávamos a 99 JAMZ de Miami... a Hot 105... e ficávamos em dia com os últimos lançamentos... 2 Live Crew, Naughty by Nature...
E como era fazer hip-hop em Cuba sem acesso a discos e todo o instrumental eletrônico que era integrante central da cultura rap nos Estados Unidos?
- Realmente, sem "mixers", sem "samplers"... tivemos que nos valer da nossa criatividade.
Os cubanos tinham substituído a tecnologia digital (ou analógica, se pensarmos numa antiga "drum machine" como o Roland TR-808) por beat boxes humanos, e a percussão sendo feita basicamente com tambores batá, usados em cerimônias de "santería". O resultado era simplesmente fascinante, e as letras, de surpreendente profundidade.
- Você já viu uma apresentação do Instinto?
Instinto era um grupo de três garotas negras que cantavam rap. Aliás, o primeiro grupo feminino de rap cubano. Sim, as três eram um furacão no palco, e eu já as havia visto apresentando-se ao vivo, há coisa de cinco ou seis anos. Difícil esquecer.
- O problema com as meninas, - comentou ele em tom casual - é que elas envelhecem. Mas há outros grupos femininos, mais recentes...
Machismo no rap cubano? Provável. A Ilha não era um lugar tão igualitário quanto eu pensara a princípio, apesar de todas as inegáveis conquistas da Revolução, particularmente nos campos da educação e da medicina. Ainda havia muito machismo sim. E até mesmo um certo racismo velado, algo que eu julgaria inimaginável alguns anos antes.
- Isso já foi pior - declarou ele. - Era mais comum na geração dos meus pais, não na atualidade. E, elas, ao escolherem se apresentar como um grupo de hip-hop, fizeram mais pela autoestima da mulher negra cubana do que muito discurso de inclusão.
Mesmo que isso significasse ter que dançar salsa de salto alto?
- Mesmo assim! - Riu-se ele.
- [17-08-2017]