MICHELE

Michele era, na verdade, Laura. Michele era um nome de guerra, publicado nos classificados de um dos jornais da cidade. Ao receber o telefonema do primeiro cliente, havia acabado de colocar Anderson para dormir.
Anderson era um menino bom, não chorava demais e, quando ficava na casa de Áurea, sua tia, nunca dava trabalho.
Michele dizia que aquele menino era a melhor coisa que fizera na vida.
Do outro lado da linha, a voz gaguejante do cliente denotava ser um homem tímido, talvez um marinheiro de primeira viagem.
Marcaram hora e local para o encontro. Michele precisava daquele dinheiro. Anderson ainda se recuperava de uma pneumonia. E a geladeira estava quase vazia.
Com a ajuda de Vanessa, uma colega de cruz, conseguira publicar a nota no jornal. Aquele era o primeiro cliente. Faria por valer os oitenta reais.
Começou a se arrumar. Suas roupas eram muito usadas, mas não gastas. Maquiou-se, passou um perfume, aquele que lhe foi dado por Percival, olhou no relógio. Na cama, Anderson tremia.
O que era aquilo, meu Deus?
Pôs a mão direita na testa do menino. Febre. Seria a pneumonia? O médico do posto falou para que ela tivesse cuidado.
Ligou para Áurea, que veio rápido, pois sua casa ficava próxima da de Laura.
Contou o que ia acontecer, que não podia perder aquele dinheiro. Pediu ajuda.
Áurea, sempre solidária, disse que ficaria com o menino e Laura prometeu que, terminado o programa, compraria um antipirético.
Pegou o ônibus, desceu no local determinado e, em pouco tempo, um carro estacionou ao seu lado.
Michele?
A pergunta a despertou do torpor. Áurea ama Anderson. Cuida dele como se de um filho. Não há o que temer.
Foram para o motel. Michele se despiu e fez o que fez automaticamente. O tal sujeito gozou, encheu a camisinha e caiu de lado. Ela olhou no relógio. Anderson. Tomou um banho.
Por sorte, o homem parecia atarantado demais e pediu logo para irem embora. Foi generoso: deu cem reais. Michele sorriu e disse que havia sido muito bom e, caso ele quisesse, era só ligar.
Saíram do motel. Ela desceu perto de um ponto de ônibus. Sem dizer um tchau que fosse, o homem saiu em disparada, o carro cantando pneus.
Laura ligou para Áurea. Está tudo bem, Anderson acordou e está até brincando. A febre? Passou. Mas traz um remédio. Nunca se sabe.
Laura desceu no ponto perto de sua casa. Havia uma drogaria aberta, Correu até lá e comprou um envelope de antitérmico infantil.
Ao sair da drogaria, percebeu que um fotógrafo a observava. Ao perceber aqueles olhos, Michele perguntou, um tanto sardônica: o que foi?
O homem disse que era um fotógrafo de arte e se chamava Thor. E gostaria muito de fotografá-la. E disse que pagaria bem.
Só fotografar? Michele perguntou, fingindo desapontamento.
Só! O fotógrafo respondeu. Mas quero você nua. Pode ser?
Anderson estava precisando de leite. E de iogurte, que ele gosta muito. Laura não podia deixar seu menino passar necessidade.
Quanto você me paga? Michele perguntou.



Para uma compreensão maior dos fatos acima, sugerimos a leitura dos contos abaixo:

http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/608256
http://www.recantodasletras.com.br/contosinsolitos/606656