A MATEMÁTICA DA FELICIDADE (I)

Chegamos em Buenos Aires, sábado pela manhã do dia 25 de junho de 2005, para assistir ao jogo River Plate vs São Paulo pela Libertadores da América daquele ano. Eurípedes não era tão fanático por futebol, apesar de entender bem de esquemas táticos, estratégias, mas adorava viajar e, além disso era uma ótima companhia.

Chegamos no Hotel El Conquistador, que fica na Calle Suipacha e Eurípedes arrancou o par de tênis e despencou na cama, recusando-se a sair comigo que pretendia trocar alguns reais por pesos na Calle Florida que ficava a poucos metros dali.

Tirei algumas coisas da mochila e embrulhei num cachecol um maço com três mil reais que, por preguiça, não quis separar. Coloquei num compartimento no fundo. Lavei o rosto, coloquei a mochila nas costas e saí.

O tempo estava agradável e, na rua, ofereciam-me vantajosas cotações de câmbio, além de passeios ao Camiñito, shows de Tango, jaquetas de couro. Eu estava acostumado a trocar o dinheiro sempre no mesmo lugar, que além de oferecer-me uma boa cotação, era de confiança.

Parei em frente à Galeria Pacífico para tomar um pouco de água. Tirei a mochila das costas e reparei que o zíper estava aberto. Suei frio. O zíper do compartimento também estava aberto. Minhas pernas começaram tremer.

Não vi cachecol, não vi o maço de dinheiro.

Que estúpido eu fui. Como eu pude ser tão estúpido em andar com uma mochila nas costas com um maço de três mil reais dando sopa.

Eu devia ter imaginado que a destreza de um “trompeta” seria suficiente para abrir o zíper da mochila sem que eu percebesse e subtraísse meus pertences.

Três mil reais.

Eu tentava minimizar os acontecimentos. Um dinheiro recuperável, não iria morrer por causa disso. Mas a minha estupidez, a minha inocência se sobressaíam e eu só conseguia chamar a mim mesmo de “burro”, com uma tristeza imensa.

Encostei em uma das paredes da Galeria Pacífico, fumei um cigarro para tentar me acalmar, mas eu queria chorar. Queria ir embora daquele país, pois nada mais fazia sentido pra mim.

Voltei para o hotel, cabisbaixo, pálido.

Peguei o elevador até o nono andar, que parecia ser uma eternidade de longe.

Entrei no quarto e me deitei na cama ao lado de Eurípedes.

- O que foi? – perguntou o meu amigo.

Expliquei-lhe detalhadamente e ele, depois, começou a rir desenfreadamente.

- O que houve? – indaguei.

Você acha que eu permitiria que fosse para rua com todo o nosso dinheiro? Quando você foi no banheiro lavar o rosto eu retirei o cachecol, com o maço de dinheiro e os ingressos do jogo.

Subitamente um sorriso se estampou no meu rosto. Eu queria brigar com Eurípedes por ele não ter me avisado, mas não conseguia tirar aquela risada da cara.

Tudo que fizemos então, foi dar boas risadas, até que Eurípedes me interrompeu.

- Você percebeu que alegria e tristeza não existem. Decorrem apenas da nossa percepção, invariavelmente equivocada, do mundo que nos cerca.

- Pois é – disse-lhe, ainda rindo.

- Não aconteceu absolutamente nada para que você ficasse triste e nada para que você ficasse alegre. Você teve a ilusão de que foi roubado e depois descobriu que se tratava de ilusão, mas nada aconteceu. Você ficou triste e depois alegre sem qualquer razão.

“Ele tem razão”, pensei. Mas isso não é novidade. Hermann Hesse, no apêndice “A encarnação Hindu”, no livro “O jogo das Contas de Vidro” explica o que é “maia”, ou seja, “ilusão”. Um príncipe bastardo é abandonado pela madrasta e consegue escapar da morte, ainda jovem e é levado para viver com um ermitão. Um dia, pergunta ao mestre “o que é maia?”. O jovem está com uma cuia de água na mão e o brilho do sol refletido na cuia, cega seus olhos. Então as tropas do reino vêm buscá-lo para ele virar rei. Ele se casa, tem um filho e vive uma vida maravilhosa. Enfim, tropas adversas invadem seu reino e matam seu filho. Ao ver seu filho sangrando, pega uma cuia d’água para limpá-lo, quando então o brilho do sol reflete na água e ele percebe que está sozinho com o ermitão.

A vida é uma grande ilusão.

“Fragmentos de um ensinamento desconhecido” de Ouspensky também discorre sobre esse tema. Relata que nós nos aborrecemos e ficamos tristes com a chuva, com o calor e outros eventos que, na verdade, estão alheios a nossa sensibilidade.

Eurípedes era um amante da física. Certa vez desenvolveu uma teoria para aprisionar a luz. Ele entendia que, se colocássemos dois espelhos côncavos um na frente do outro, com um feixe de luz passando pelo foco de cada um deles, a luz se refletiria infinitamente.

Eurípedes tinha 15 anos quando desenvolveu essa teoria. O professor Kalil riu dele.

- Não existe espelho ideal – disse o professor – um espelho sempre absorve um pouco da luz. Com a velocidade de 300.000 km/s, numa fração de segundos a luz seria absorvida pelos espelhos.

Desta vez Eurípedes apresentava uma nova teoria.

“A soma da alegria e a tristeza na vida de uma pessoa será sempre igual a zero.

Primeiro é preciso dizer que se um fato provoca alegria, o seu contrário provocará tristeza na proporção inversa.

Vou dar o exemplo de um torcedor de futebol. Se é fanático, ficará muito alegre quando o time vencer, porém ficará triste, na mesma proporção, quando o time perder. Um torcedor que não liga muito para o time, não ficará tão triste com uma derrota, mas não experimentará a alegria e o êxtase da vitória.

Ao longo da vida a quantidade de alegria e de tristeza que as pessoas vivenciarão, considerando a tristeza negativa, para fins matemáticos, será sempre zero.”

- Interessante, disse-lhe eu. Mas isso é empírico. – Será que alguém rico, que viaja, come em restaurantes caros, tem carros potentes, casas de praia, não será mais feliz do que uma pessoa que vive numa favela, passando fome, sem emprego, na mais completa miséria?

- Alegria e felicidade são coisas distintas. Não existe felicidade. Ninguém é feliz, pois a felicidade é um ideal de estado de espírito permanente. O que existe são momentos de alegria e de tristeza. Para o homem rico, viajar, comer em restaurantes caros não terá nenhum significado. Serão acontecimentos triviais que não vão suprir o vazio da sua existência. Perceberá que tudo é efêmero e será tão triste como aquele que vive na miséria, mas poderá contentar-se com pequenas coisas. Alegria e tristeza não estão vinculadas ao poder aquisitivo, à saúde, ao nível socioeconômico.

- Que bobagem, Eurípedes. É evidente que algumas pessoas possuem uma vida com mais alegria enquanto que outros tem uma vida com mais sofrimento.

- Não confunda sofrimento com tristeza. O sofrimento pode ser um elemento compensador. Como Deus, por exemplo. As pessoas que creem em Deus equilibram a alegria e a tristeza, pois, para elas o sofrimento é um desígnio.

- Algumas pessoas – prosseguiu Eurípedes – podem viver uma vida inteira amargurada, o que poderia permitir à conclusão de que foram mais tristes do que alegres durante a vida, mas sempre haverá algo libertador. Ainda que seja na hora da morte, naquela fração de segundos que antecede o óbito essa pessoa terá um êxtase de alegria que compensará toda a tristeza que viveu.

“O homem sábio não será nem alegre e nem triste. Nada lhe afetará, pois as coisas não existem para sua alegria ou tristeza. Ninguém quer ser triste, mas a tristeza é fundamental para existir a alegria. A tristeza é o ônus da alegria. Ou, a alegria é o bônus da tristeza.

Enfim, a quantidade de alegria vivenciada pelo homem em sua existência subtraída pela quantidade de tristeza é igual a zero.”

n.A – n.T = 0.

(continua)

-