O MENSAGEIRO

Sentou-se Caldério à varanda , o que esperava o dia todo pra fazer, acendeu devagar o cigarro após bater com o fundo do mesmo no braço da cadeira, acreditava que ficava mais compactado o fumo. Quase num culto levou-o a boca, degustava o sabor que tinha antes de acender, acendeu como parte do ritual de pensar na vida...o mundo todo parecia menos grave visto através da cortina fina de tabaco em combustão. Meio-dia, o cachorro, com 14 anos de idade assistia aquela cena deitado ao lado, na verdade esperava o seu companheiro,ansioso, para, passivamente, deleitar-se na névoa que circulava com o vento todo dia no fim da tarde.

-Amélia, por favor, me traga um café, meu paladar implora esse santo néctar que fazes.

Aquele era o única momento em que a importunava na ordenação interna da caseira luta. Ela trazia satisfeita, ora, se sentia maravilhada com a forma que ele tomava, cheirando longamente antes de qualquer gole, enfim bebendo balbuciando preces pelo o prazer que a bebida o causava, afinal o que pode ser mais prazeroso do que ver algo que fez ser apreciado de uma forma quase religiosa.

- Como está o café, meu bem ??

Amélia perguntava só para presenciar a verbalização do prazer que seus dotes culinários causavam.

Naquele dia, porém algo atrapalhou essa perfeita dinâmica, um trote seco se ouviu vindo da curva que findava no portão de fora da chácara onde moravam, era um um homem que vinha de maneira açodada pelo caminho, adentrou o portão após amarrar o pangaré do lado de fora e se encaminhou ao alto onde se postava a casa.

-Quem é você, meu jovem, que adentra dessa maneira descuidada a propriedade alheia? Perguntou Caldério vendo todo aquele movimento desarrumado daquele visitante, já sentindo que algo acontecera de preocupante para trazer, já fora de hora, aquele sujeito até sua casa.

- Sou Dorneles, o mensageiro, desculpe-me se entrei de forma errada na sua propriedade, é que fui contratado para entregar o quanto antes a encomenda que lhe trouxe.

O mensageiro tirou do alforge velho que trazia consigo uma pequena carta, quase um bilhete e o entregou a Caldério, com um semblante tolo de trabalho cumprido.

O destinatário apreensivamente abriu aquele cartão e leu de maneira breve, não mais que duas linhas. Sentiu o chão lhe fugir dos pés, temperou a garganta, tentando talvez, dominar a vontade de chorar que rasgava seu peito, de pernas trêmulas voltou a sentar-se na cadeira de balanço, baixando a cabeça e cerrando os punhos parecia tentar absolver o golpe duro que acabara de sofrer.

Aquele bilhete contava da morte de uma viúva que havia falecido naquele mesmo dia, tratava-se de dona Inês Alencar, uma mulher por quem Caldêrio nutria a lembrança mais viva de um tempo em que julgava ter sido feliz, o amor verdadeiro de toda uma vida, o qual há tempos adiava a missão de tentar reconquistar...Ela havia se matado no sobrado da rua dom Fernando Alvarez, no Centro, onde morava sozinha na companhia apenas de duas cadelas que havia recolhido nas ruas por nomes de Solidão e Saudade.

Envenenamento era a mais provável causa de sua morte lia-se naquele bilhete funéreo.

O mensageiro estendeu a mão para aquele homem ainda em choque, ora, queria apenas o pagamento pelo serviço que cumprira com competência. Galdério vendo aquilo em fúria pela falta de sensibilidade daquele carteiro nefando olhou-o a face sem expressões e pensou:

-Não tem culpa esse infeliz. E disse:

- Sente-se aí que vou pegar seu dinheiro, é quanto mesmo ?

- São 100, o mensageiro respondeu.

- Tudo isso? Certo....espere um momento.

Quando Caldério entrou Amélia vinha saindo, não perguntou nada, apenas ofereceu café àquele que havia trazido a tal carta...o mensageiro olhou-a e respondeu:

-Café, melhor não, isso mata.

Caldério veio e de repente sacou de uma pistoleta prateada e apontou para o mensageiro, esse no mesmo momento, se ajoelhou e implorou, não tire minha vida, eu posso explicar.

Caldério, no entanto, retrucou:

- Quem implora sou eu, por favor, tire a minha vida...

O mensageiro após alguns segundos de silêncio, pensando talvez na proposta de serviço que acabara de receber...

-O senhor quer que eu lhe mate e pagaria por isso?

Vendo a expressão de desespero nos olhos de Caldério pareceu-lhe uma pergunta razoável a se fazer, porém quando ele olhou para a porta da casa estava Amélia, ele baixou rapidamente a vista respondeu a Caldério que de forma nenhuma faria aquilo.

Estendeu a mão pegou o dinheiro pelo serviço de mensagem que havia feito, cumprimentou o desesperado homem e protocolarmente o desejou melhoras, se voltou a senhora na porta e cumprimentou :

-Uma boa noite, Amélia.

Caldério a escutar aquilo, se acendeu em sua mente rapidamente uma ideia que de começo pareceu louca, mas logo aclareou em sua cabeça.

-Ô mensageiro, como você chamou mesmo a minha mulher ??

-Hã? Não entendi senhor....

-Entendeu sim, você a chamou Amélia...

De logo Caldério disparou precisamente no peito do mensageiro, caindo o mesmo ao chão de pronto em óbito.

Amélia se assustou e indagou por qual motivo havia feito aquilo e Caldério respondeu:

- Não há motivos, nada se explica, por exemplo o veneno das plantas que sumiu do armazém, mensageiros que chegam em hora inoportunas, estranhos que sabem seu nome.

De que nos serviria uma explicação agora, e antes que Amélia o tentasse dissuadir, ele disparou duas vezes contra ela, após isso acendeu um cigarro na mesma varanda tragando desesperadamente.

Lhe faltava algo.....na vontade inigualável de tomar aquele café que não poderia nunca mais ser preparado, deu-se um tiro fatal na boca, afinal aquele café que Amélia fazia era bom demais, que vida faria sentido viver sem ele ?

Renan Ivanildo
Enviado por Renan Ivanildo em 11/09/2017
Reeditado em 12/09/2017
Código do texto: T6111448
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