Este texto faz parte de um projeto de contistas que propôe escrever um conto de até quinhentas palavras sobre uma determinada imagem. Os preconceitos que aparecem no texto não são o pensamento da autora, apenas desenham os personagens com suas virtudes e (enormes) defeitos. Sendo assim, boa leitura.


LAS CONTRERAS
 
 
A família da viúva Anahy Contreras chegou no início da estação das chuvas, um mês depois de recebermos a carta do antigo morador da “Las Piedras” pedindo ao meu pai para aguardar as mulheres e mostrar tudo da propriedade vendida.
 
Como eu e Pedrito não sabíamos coisa alguma sobre as novas vizinhas, passamos todos os dias que antecederam a chegada delas ouvindo atrás das portas e conversando sobre detalhes inventados por nós mesmos.

Logo que descobrimos que a viúva
tinha três filhas em idade de namoro, começamos a criar fantasias sobre como seriam. Imaginávamos as moças conforme nossos desejos: loiras e esbeltas como as atrizes das fitas de cinema. Até combinávamos sobre quem ia ficar com qual das namoradas fictícias: Pedrito queria a mais velha, dizia ele que o busto seria maior que o da minha.

No dia marcado o movimento na cozinha era intenso, mamá e tia Assunción quebravam ovos dentro das bacias para fazer pães de ló e batiam leite
com açúcar para os cremes. Três galinhas mergulhadas no caldo de tomates, com milho e pimenta ferviam em uma grande panela.

Esperávamos o grupo para as doze horas, mas, à medida em que a tarde avançava, a comida esfriava nos grandes tachos enquanto o seu cheiro quente se dissipava pelos cômodos da casa.

Quando finalmente apareceram, a realidade da vida caiu sobre nós.

Eram Quatro mexicanas fortes e bronzeadas. A Señora Contreras, e três novilhotas agitadas. Desceram da carroça desembarcando malas e trouxas, afogueadas e fedendo.

Naquele dia comemos na grande mesa na varanda. Os bolos não estavam mais frescos e os cremes haviam perdido a firmeza. Mamá sorria para as visitas mas eu sabia que estava triste com a comida quase fria que mandara servir.

A viúva comia calada enquanto papai explicava detalhes sobre os animais e a lavoura. Era uma coroa durona com as bochechas firmes e salientes. As outras mulheres tinham feições menos marcadas e sorrisos mais frequentes, mas comiam silenciosamente como se temessem a autoridade da matriarca.

Eu e Pedrito corríamos os olhos de uma para a outra procurando nossas beldades Hollywoodianas, mas só víamos garotas feias e uma delas cheia de espinhas inflamadas pelo rosto. Onde estavam as noivas caucasianas que havíamos encomendado?

Saí da mesa logo que pude, havia vivido a minha primeira decepção amorosa. Pedrito, por sua vez, fez amizade com as moças e sumia de vez em quando pelos caminhos entre as duas casas de braço dado com a Mariinha Contreras.

Em menos de um ano tiveram que casar e a filha da viúva pariu uma menina.

Depois de um tempo foram morar na capital. Sempre que sentia
saudade eu ia olhar o álbum com as fotos deles. Num dos retratos a pequena Carmencita estava usando uma máscara da festa de Santa Muerte. Não podia deixar de rir: as demais Contreras apareciam na imagem sorrindo, e, minha sobrinha, a única Contreras bela, trazia o rosto coberto por um horrendo disfarce de caveira.
 
Iolandinha Pinheiro
Enviado por Iolandinha Pinheiro em 14/09/2017
Reeditado em 15/09/2017
Código do texto: T6114195
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