A poltrona solitária (2)

[...] até que ela disse:

- Como tem ido? Você mudou algumas coisas aqui. - Ela afirmava enquanto corria os olhos pela nova decoração. Os quadros coloridos, que antes faziam parte das paredes, estavam no chão ao canto, atrás de um armário de madeira de boa qualidade e deram lugar a quadros de paisagem serenos azulados e de tons fracos, pouco vivos. A pintura das paredes da sala agora estava desbotada e poeira cobria alguns moveis menos usados.

-Tenho tentado, tentado... ah, ah sim! Comprei alguns moveis novos, mudei a decoração, me situei no ambiente. - Eu demonstrei uma expressão de sorriso percebida pelas bochechas levemente levantadas e rugas ao lado dos olhos, por franzir o rosto, enquanto direcionei-a o olhar ao final da fala e ela me correspondeu em mesmo tom.

-Você não mudou muito. - Ela disse, me olhando firme e carinhosamente nos olhos. Agora a atenção voltava-se para mim. Desviei o olhar para a janela, já não conseguia manter contato tão próximo ao olhar dela e precisava de um tempo para me recompor. O silêncio dominou o ambiente por alguns momentos e eu percebi que ela também olhava para a janela, talvez procurando o que eu procurava quando desviei o olhar.

-Mas e aí, gostou da decoração? Faz tempo que alguém não vem aqui. – Voltando a ela o olhar, eu respondi, na tentativa de ganhar mais tempo para organizar meus pensamentos e as duvidas que essa inesperada visita me trouxe, para repensar o que já havíamos dito e feito, o que eram só produções da minha imaginação, o que poderia ser de nós dois.

-Se encaixa com você, essa nova decoração... Eu acho. – ela respondeu enquanto passava a mão ao seu lado do sofá, como se estivesse relembrando momentos de nós juntos, daquele sofá que não foi trocado na mudança, da casa em que viveu parte de sua vida, das conversas que um dia tivemos, bem ali, no couro desgastado desse móvel.

Eu não podia mais enrolar, tinha que tomar uma decisão, estava na hora de sentar ao lado dela ou me afastar ainda mais, e enquanto esses segundos eternos não passavam eu tive tempo para colocar na balança os pesos e decidir o que fazer. Levantei-me e fui até um dos quadros coloridos que nós dois compramos de um artista de rua. Era uma paisagem serena mais cheia de vida em sua coloração. Um quintal, uma casa amarela e branca, grama ao chão, arvores, uma rede e, ao fundo, uma praia calma, formando a imagem desta pintura que não continha nenhuma pessoa, impossibilitando que eu pudesse relembrar qualquer coisa a meu gosto quando olhasse para ela.

-Lembro que gostava dessa... se quiser pode levar. – justifiquei ao entregar a pintura a ela e percebi sua reação. Ela agora olhava o quadro como olhava uma foto velha, de um antigo bom amigo que já não existia mais, que mudou suas ideias e concepções, que por aquela foto não era mais representado.

- Vim mesmo para te ver e foi bom isso... mas tenho que ir. - Ela dizia enquanto colocava a pintura numa sacola jogada perto do sofá e agora já se levantava, caminhando em direção à saída, apenas parando para olhar para a poltrona em que eu a pouco estava sentado e dizendo – Aquela poltrona combina com você. – Falou com tom sutil e de compreensão, expressando um sorriso aconchegante para mim, enquanto já abria a porta por si mesma.

Não é um sofá, mas é confortável... comprei quando se mudou – Eu concluí, sabendo que não haveria volta, mas afirmando um novo começo, uma nova vida, uma mudança necessária. Ela sorriu novamente enquanto me desejava boa sorte e me deu um beijo no rosto, antes de partir. Um beijo de duvida, de lembranças, de incertezas, um beijo que sempre marcou minhas memorias e que de algum jeito me tocou mais que nas bochechas e me fez pensar, enquanto eu trancava a porta: – “Agora já é tarde demais pra isso”. Direcionei-me a poltrona, que seria minha companheira nestes futuros momentos de recordação das memorias, com a vinda ela, trazidas.