Os Velhinhos: Seu Mocinha

Esse é o meu primeiro conto (de 5) sobre moradores de um mesmo asilo e suas histórias pessoais.

Morava no quarto de número 14 no asilo Caminho do Sol, não tinha nome melhor para um asilo onde todas as suas paredes eram pintadas na cor amarelo. Seu nome era Silvério Fonte e Souza, era mais conhecido como Seu Mocinha. Ele tinha o quarto mais florido, cheiroso e arrumado de todo o asilo. As acompanhantes que o visitavam, sempre o elogiavam, parecia ser diferente um senhor de 62 anos ter tanto apego pelo capricho.

Seu Mocinha talvez seja um dos morados mais antigos do asilo. Suas crises de epilepsia assustavam tanto a família dele, que ele foi abandonado lá quando ainda estava para completar 50 anos. Não assustavam somente eles mas um ou outro morador ali, que não gostava de chegar próximo ou encostar nas coisas que o homem usara, já que achavam que sua sexualidade e remédios eram para combater uma AIDS que eles inventaram para o homem.

Na certa, nem o velho Silvério se importava mais em morar lá há 12 anos quase. Ele nunca achou se encaixar no mundo a qual viveu antes de ir morar lá e esse mundo que vive agora, e esse fato se faz presente algumas vezes em choros escondidos. Quando jovem, mantinha um casamento forjado para esconder sua bissexualidade mas isso não durou muito, em um dos ataques epiléticos, um amante teve de contar a verdade e gerou uma grande confusão. Agora velho, ele também não se encaixa por não ser considerado um daddy, urso, não era BDSM e muito menos disposto a sustentar quem fosse conquistado apenas com sua aposentadoria.

Seu Mocinha sempre fora romântico, é possível notar pelos arranjos de flores em seu quarto e pelos livros pastelões recheados de clichês que ele usualmente amava ter por distração. Ele de fato gostava da mulher que foi sua esposa, mas ambos sabiam que ele queria descobrir formas de amar, porém solteiro e em cidade pequena, as notícias e o preconceito correriam demais. Na época, queria amar e estava cansado de esconder seus amores e seus desejos. Com o tempo e frustrações, ele foi desistindo de encontrar esse tal de ''verdadeiro amor'' e encontrou amor nos pequenos detalhes e acontecimentos que cercam os dias e as noites.

Mantinha a mesma rotina de sempre, conversava sobre esportes com seus amigos e então assistia seus dvds com shows de suas divas pop e outros cantores que ele adorava. Ele até se aventurava pela internet algumas vezes, embora quase sempre chutado por outros usuários mais novos que viam nele alguém para zombar. Mesmo aqueles que se consideram LGBTQs, viam nele uma espécie de ser a ser ignorado e destratado. Silvério queria fazer amigos mas o confundiam com tarado, mas tudo bem, ele aprendeu a acompanhar notícias e curiosidades pela internet. Gostava de se manter atualizado de cada pequenino passo, cada novo avanço para aceitação e representatividade LGBTQ.

Tinha seu estilo e era conhecido também por isso, tanto que rendeu seu tão famoso apelido de Seu Mocinha. Quase sempre que podia sair, via as novas modas e costumes entre os jovens e seus olhares de desdém. Ele embora ficasse tão desapontado por dentro, parecia não valer a companhia das flores, dos poemas, das musicas e da dança que o cercavam, mas ele tinha um trunfo: sabia que rostinhos novos e bonitos, que corpos gostosos e belos, e que muito menos todo a sensualidade e interesse pelo ar de juventude, um dia acabará. O que sobraria de jovens tão fúteis e zumbis de si mesmos? Ele recuperava-se e lembrava da longa jornada de auto-aceitação e compreensão dos males que o cercavam, com isso viu que se aceitar é se fazer bem.

Ele que parecia ser esquecido em quase e de quase toda conversa sobre temas LGBTQs pela sua idade e sexualidade, aprendeu que não poderia esquecer de si mesmo e que de fato importa para a causa. Talvez pensassem que carrega bandeiras sem importância, mas Seu Mocinha não poderia apenas esperar que alguém o torne especial e que se lembre dele...se sua família e outros perdem a chance da sua presença risonha e acolhedora, ele tinha que se fazer presente nas discussões.

No asilo ele encontrou uma família diferente, amigos de todos os lugares e de todos os tipos de história. Porque ser família, é mais que uma ligação de sangue ou regras para seguir como regras de pai e filho, família é acolher, aceitar, dar tempo da pessoa florescer, é se juntar de tardinha no pátio para rir como eles tanto faziam...como Dona Val dizia ''Velhinhos esquecidos, novos encontros''

TEXTO E REVISÃO: Raphael Maitam

Seja bem-vindo para ler esse conto e mais outros no meu livro disponível no wattpad: https://www.wattpad.com/story/118616926-versos-por-aí-segundo-volume