A FADA MADRINHA

Fernando foi traído pelo vento quando sobrevoava de asa delta o litoral Norte. A forte movimentação de ar o levou em direção ao oceano. Torcendo para não cair na água ele via sua asa delta voar para cada vez mais longe. Lá de cima o oceano não lhe parecia belo e fascinante, mas era semelhante a um enorme caldeirão com água ebuliente onde iria cair e não morrer imediatamente. Afogaria-se lentamente, sentindo a água fervendo queimando sua carne. Ele deu um grito de desespero. E a asa delta voava sem rumo, sem destino. Ele fechou os olhos e começou a rezar. Percebendo que iria cair, suava frio e rezava intensamente. Abriu os olhos e viu uma ilha. Cairia justamente nela. Ficou mais aliviado. Entre cair no oceano e cair na ilha era preferível a segunda opção. Orou para que o vento forte não desviasse a asa delta. Iria cair sobre uma frondosa árvore. Imaginou se arrebentando todo nos galhos da gigante. Encolheu o corpo, fechou os olhos e só ouviu o barulho da asa delta batendo na árvore. SPLAAAAFT! Descerrou os olhos. Estava preso no alto da árvore, com um pequeno ferimento no braço. Refazia-se do susto. Com muita dificuldade, conseguiu sair da asa delta. Não enxergava nada por causa das folhas. Pisou em um galho, mas acabou escorregando. Que azar! Fernando foi caindo de galho em galho até parar no primeiro galho que ficava a uns dois metros do chão. Sem forças para permanecer sobre o galho, resolveu pular lá de cima. Foi uma queda violenta. Do alto da árvore até o chão, o resultado foi: arranhões e hematomas por todo o corpo, um pé quebrado, cortes na boca e na testa e as roupas rasgadas. Sem falar na dor, muita dor. Estirado no chão ele gemia de dor. Gritava por socorro, mas não havia ninguém por perto. Era praticamente uma ilha deserta. Exausto e com o corpo dolorido, Fernando viu um belo mamoeiro e reuniu forças para apanhar mamões e devorá-los. A tarde já se aproximava do fim. Vinha também o desespero de passar a noite naquele lugar, ferido e sem assistência. Deitado, ele começou a rezar. O oceano estava agitado e o rapaz torcia para que as águas, em um ataque de fúria, não cobrisse a ilha. Minutos depois ele escutou um barulho de passos. Fernando ficou curioso. O ruído foi ficando forte. Olhou para trás. Uma linda garota caminhava em sua direção. Ela possuía cabelos pretos e lisos, pele clara, corpo curvilíneo e usava uma blusinha de alça e short brancos. Ela também carregava uma maleta com objetos de primeiros socorros. Fernando não pensou duas vezes: tratava-se de uma miragem. A garota agachou-se perto dele e disse: “Olá!” Ele começou a chorar. “Essa não, além de ferido e perdido nessa ilha, fiquei louco. Não! Não! Não!” “Calma, calma, você não está louco.” “Quem é você?” “Sou sua fada madrinha.” Ele começou a chorar novamente. “Não! Não! Estou completamente louco!” “Você não está louco, não. Toque em mim.” Ele a tocou nos braços, nas pernas e passou a mão nos cabelos dela. “Não consigo entender.” “Sou sua fada madrinha e vim te salvar.” “Mas as fadas não existem.” “Existem sim.” “Fadas não usam shortinho e sandalinhas...” “Sou uma fada moderna, do século vinte e um.” Ele deu um suspiro e virou-se para o outro lado, ainda incrédulo. Ela colocou a mão no rosto dele e disse: “Fernando, olhe para mim. Acredite, eu sou sua fada madrinha e vim te resgatar.” Ela abriu a maleta, pegou um pedaço de gaze e começou a limpar-lhe as feridas. Ele gritava: “Ai, devagar, devagar, tá doendo... AAAAI!” “Calminha, meu rapaz!” O álcool e outros medicamentos causavam ardência quando entravam em contato com as feridas. Ele berrava: “Ai! Ai! Tá ardendo! Tá ardendooooo! AAAAI!” “Respire fundo que a dor passa.” “Meu pé está me matando.” “Deixa eu ver esse pezinho... hum... tá quebrado. Eu dou um jeito nisso.” Ela passou uma pomada com cheiro forte no pé quebrado e logo em seguida envolveu-o com ataduras. “Prontinho.” Disse ela. “Nossa, não dói mais nada.” Ela disse, sorrindo: “E agora, acredita em mim?” “Não.” Respondeu ele, olhando para a bela fada. Ela tentou convencê-lo mais uma vez, perguntando: “Sabe o que eu tenho aqui dentro da blusa?” “Sei, aí dentro tem dois...” “Não, não, não é isso que você está pensando. É outra coisa.” “Não sei. O que é?” Ela tirou de dentro da blusa uma varinha com uma estrela prateada na ponta. “A varinha mágica!” Disse ele, surpreso. “Através dela vou te tirar daqui.” “Duvido.” “Não acredita? Então veja só.” Ela se levantou e apontou a varinha em direção ao oceano. “Cadê a palavra mágica?” “Funciona assim. Eu faço o pedido em pensamento ou em voz alta e logo em seguida digo a palavra mágica que é... ALEGRIA!” Ela permaneceu com a varinha apontada para a água. Estrelinhas brilhantes saíam da varinha e voavam lentamente para o oceano. Imediatamente surgiu um barco motorizado com dois homens a bordo. “Veja, lá está ele.” Disse um dos homens. Eles pegaram o rapaz e o colocaram no barco. Fernando foi levado para o hospital a fim de ficar em observação.

Na manhã seguinte, no hospital, o rapaz recebeu a visita de sua fada madrinha. “Olá, meu rapaz!” “Oi.” “E aí? Como passou a noite?” “Bem, muito bem. Já estou bem melhor.” “Quer alguma coisa para comer?” “Sim, quero um pão com presunto e muçarela e um copo de laranjada.” “É pra já.” Ela apontou a varinha em direção à porta e logo apareceu a enfermeira com o que ele havia pedido. “Bom apetite.” A fada já ia desaparecendo quando ele gritou: “Espere!” Ela aproximou-se dele. “O que foi?” Fernando ficou olhando para ela durante alguns segundos, sem dizer nada. “O que você quer?” “Eu... eu... eu... aceita um pedaço?” “Não, obrigada. Pode devorá-lo.” Ela ia desaparecer quando ele novamente gritou: “Espere!” “Diga, Fernando.” “É... bem... você pode me emprestar sua varinha mágica?” “Sim, mas para que você a quer?” “Eu quero ver se consigo algumas coisas através dela.” “Fernando, veja bem, só as fadas possuem esse poder. Mais ninguém. Você pode até ficar com a varinha, mas não vai conseguir nada através dela. A varinha na sua mão é... uma varinha comum, com uma estrela na ponta... só isso.” “Tudo bem, mas de qualquer forma me deixe ficar com ela. Devolvo ela pra você depois.” “Bem... é... tá bom. Eu deixo você ficar com a varinha, mas tome muito cuidado com ela, sim?” “Pode deixar, eu cuidarei bem dela.” Ele ficou olhando para a varinha e a fada desapareceu. Fernando saiu do hospital e já estava na praia contando para os amigos a situação na qual passara e o resgate na ilha. Os amigos dele não paravam de rir. “Cara, você ficou louco? Que negócio é esse de ser resgatado pela fada madrinha?” “Vocês não acreditam?” Eles rolavam no chão de tanto rir. “Um cara com essa idade e ainda acredita em fada... nem minha sobrinha de cinco anos acredita nisso.” “Será que ele acredita em duende também?” KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Hi Hi Hi Hi Hi Hi Hi! “Ele deve ter batido a cabeça quando caiu com a asa delta.”KKKKKKKKKKKKKK! “A fada do Fernandinho deve usar um vestido branco e andar assim que nem um robô.” KKKKKKKKKKKKKKKKKK!“Ela também deve usar um chapeuzinho em forma de cone e deve ter uma cara de bunda.”KKKKKKKKKKKKK! Fernando disse: “Minha fada é uma morena muito gostosa e usa shortinho branco.” KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK HI HI HI HI HI HI! “Pô, meu amigo, para de fumar maconha!” KKKKKKKKKKKK Hi Hi Hi Hi Hi! Ele tirou a varinha mágica de dentro da camisa. “Vejam, aqui está a varinha mágica dela.”KKKKKKKKKKKKK! “Esse cara tá mais louco do que eu imaginava.” KKKKKKKKKK! De repente, um amigo de Fernando fala: “Ei, olha lá!” Todos olharam. Uma bela garota de shortinho branco, idêntica à fada madrinha de Fernando caminhava na direção deles. “Parece com a fada do Fernandinho.” Fernando a olhava com os olhos arregalados. Ela aproximou-se deles. “Oi rapazes! Tô vendo que o papo tá muito engraçado, mas vou interrompê-los por um minuto.” Ela se dirigiu a Fernando. “Essa varinha é sua?” “Bem, ela... ela... na verdade ela... sim ela é minha.” “Ela lhe servirá para alguma coisa?” “Não... na verdade não.” “Bem, é que a filha de uma amiga minha vai fazer aniversário. Ela é criança sabe? E a mãe dela vai fazer uma festa cujo tema tem a ver com fadas e outros seres imaginários. Essa varinha é perfeita para fazer parte da decoração do lugar onde será realizada a festa.” Fernando e seus amigos olhavam para a garota. “Você pode dar essa varinha para mim?” Ele ia dizer que não, pois a varinha pertencia à sua fada madrinha, mas ele olhou para seus amigos, pensou, pensou, pensou, olhou para a garota, pensou, pensou na fada. Olhou novamente para os amigos, pensou, pensou, pensou. Olhou para a garota. Pensou na fada. Ele fixou os olhos na garota. Aquela garota era a fada. Mas as fadas não existem. Ou será que existem? O que estava acontecendo? Ele disse: “Pode ficar com a varinha.” “Você não é aquele cara que gosta de voar de asa delta?” Perguntou ela. Ele demorou para responder. “Sim, sou eu.” “Eu tenho pavor de altura, mas admiro quem gosta de se aventurar pelos ares. Obrigada por ter me dado a varinha. Tchau! Tchau, rapazes!” Todos responderam juntos: “Tchau!” Atônitos, sem piscar, estáticos e com cara de quem haviam visto um ser de outro planeta, Fernando e seus amigos ficaram olhando a bela garota caminhando pela areia até ela tomar destino ignorado.

Alveres
Enviado por Alveres em 24/11/2017
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