Os Velhinhos: Seu Lúcio

Esse é o meu quinto conto (de 5) sobre moradores de um mesmo asilo e suas histórias pessoais.

Chamavam Seu Lúcio de esquecido, mas a criatura jamais esquecera que o nome do asilo era Caminho do Sol e de pintar todo ano suas paredes de amarelo. Também não esquecia das tarefas que prestava como limpeza e organização do local. E lembrava também de seu quartinho que antes era só a casa das plantas. Sim, uma espécie de caixa de tijolos pintados de vermelho, sobre um telhado fino e quase transparente, onde ficavam antes só as plantas mais sensíveis ao sol forte do verão.

Seu Mocinha começou a chamar o homem assim, pois em todas as conversas que tiveram, o velho que parecia mais o quadrinista Alan Moore, nunca se lembrou de onde era, qual seu nome real e como foi parar na rua em frente ao asilo. Tudo o que sabiam era que ele fora encontrado próximo a um dos postes ali em frente e estava com uma espécie de blusão com saiote, e quando foi acolhido no asilo, foi batizado como Seu Lúcio.

A história dele poderia acabar por ai, afinal no seu ''nascimento'' há uns cinco anos atrás até aqui, o desmemoriado Lúcio só teve gratidão e sempre procurou ajudar no asilo com seus serviços. Até as acompanhantes voluntárias sempre ganhavam café e lanche que ele mesmo fazia. Os moradores de lá que mais conviviam com ele, além de reparos nos quartos, ganharam uma bela amizade de um senhor que no fundo parecia uma criança gentil, honesta e sempre muito criativa.

O ano ia chegando ao fim, todos ali e os conhecidos iam fazendo aniversário enquanto Lúcio não tinha essa data para lembrar. 23 de Agosto de 2012 quando chegou ali, era sempre comemorado mas no último ano, ele comemorou com um pedaço do bolo que comprou pro asilo, colocou num copinho e cantou parabéns para si.

Vendo que ele andava tão distante dos outros e tão mais calado, naquela véspera de natal, resolveram fazer a ceia para ele em comemoração e agradecimento por tudo que fez para o asilo e seus moradores. Seu Lúcio falou da dor de sentir-se esquecido, não desmemoriado mas também de que as pessoas vão esquecendo os mais velhos e seus feitos. De que ao mesmo tempo que é triste ver seu corpo ir envelhecendo, dele precisar cada vez mais de ajuda...e mesmo assim é bom estar vivo quando se sente útil.

E como todos ali concordaram, é bom estar ao redor de pessoas que entendem as necessidades e a importância de cada ano vivido. Momentos como esse os fazem esquecer de situações tristes ou pesadas que desenrolam suas histórias como se suas vidas fossem apenas suas tristezas. Talvez damos mais importância pela precisão de falar e refletir sobre elas, mas há um enorme pano de fundo com pequenos momentos simples, contudo tão formidáveis em suas vidas.

Seu Lúcio que sem dúvidas passara por um trauma sem tamanho que perdeu suas lembranças, começou sua nova vida anos atrás, menos tempo que uma criança, viu que há muita desigualdade e injustiça ao seu redor, porém se apegar a pessoas que querem de você apenas sua felicidade, lhe traria um conforto suficiente para seguir em frente e costurar seu pano de fundo para suas histórias afim.

Mais uma vez, cheios de suas diferenças, se reuniram por um igual.

TEXTO E REVISÃO: Raphael Maitam

Seja bem-vindo para ler esse conto e mais outros no meu livro disponível no wattpad: https://www.wattpad.com/story/118616926-versos-por-aí-segundo-volume