Vida que segue?

Quando entrei no ônibus às 6 da tarde, eu a vi, sentada junto à uma janela, entretida com o celular. Aproximei-me. Ela estava gordinha, cabelos longos tingidos num tom louro-platina, mas com as raízes pretas já aparecendo. As roupas eram de loja de departamentos e pareciam ter sido compradas numa liquidação. Havia um assento vazio ao lado dela e fiz uma breve pausa antes de chamá-la e me sentar.

- Érica? É você?

Ela desviou os olhos do celular, surpresa.

- Lúcia? Claro que sou eu!

Trocamos beijinhos. Ela me olhou com ar sofrido.

- Estou tão diferente assim para você me perguntar se era eu mesma?

Desconversei.

- Fora a cor do cabelo, você mudou pouco. Mas resolvi confirmar... vai que era uma sósia!

Ela balançou a cabeça, como quem não acredita, e guardou o celular na bolsa.

- Quanto tempo faz que não nos vemos? - Inquiriu.

- Uns... dez anos? - Especulei.

Ela exibiu uma expressão ambígua.

- Nove anos. É a idade da minha filha.

- Eu soube que você havia tido uma filha... acho que foi a última notícia sua que recebi.

Ela encolheu os ombros.

- Então você já tem o resumo da história. Em nove anos, foi tudo o que aconteceu.

Havíamos trabalhado juntas, dez anos atrás, no que Érica chamava de "Departamento das Ilusões", numa agência de propaganda. Éramos trainees de marketing, e o futuro parecia promissor. Mas, por razões diversas, nem eu nem ela havíamos seguido carreira em publicidade. Eu batalhava como contadora, e Érica...

- Eu sou funcionária terceirizada numa repartição do governo... atendo pessoas que querem se aposentar... é um novo Departamento das Ilusões, se entende o que quero dizer.

Eu sabia exatamente, já que volta e meia me procuravam para fazer cálculos de aposentadoria. Dei-lhe um sorriso de cumplicidade.

- As coisas não estão fáceis, não é?

- Acho que nunca foram, - retrucou - mas eu tenho uma filha para criar.

Não estava usando aliança e não perguntei se ainda estava casada ou se tinha algum relacionamento. Era provável que o casamento houvesse acabado e ela estivesse agora só, com a filha. E dívidas para pagar.

Ela me deu seu telefone e sugeriu que eu ligasse para marcar um chope, como fazíamos nos tempos da agência. Eu disse que o faria.

Ela desceu na parada seguinte, e fiquei observando-a dobrar a esquina, enquanto o ônibus se afastava. À luz do crepúsculo, os cabelos louro-platina pareciam agora grisalhos, como num lembrete da finitude das coisas.

- [05-12-2017]