O SORRISO DE ANA

Parece que foi ontem que a encontrei no portão da casa da praia; no entanto, tantos anos já se passaram! Ela trajava um maiô vermelho, os cabelos louros em desalinho realçavam o rosto gracioso, onde se destacavam uns olhos meigos e brilhantes, cuja expressão me deixavam inquieto. Tão logo a avistei, aproximei-me, e, mesmo sem ainda saber o seu nome, fui logo me apresentando. Lembro-me do sorriso encantador que ela me dirigiu, como se já me conhecesse há anos, embora estivéssemos nos vendo pela primeira vez.

Tudo foi tão repentino, que somente me recordo dos seus olhos brilhantes e dos seus dentes brancos como marfim. De início, não proferimos uma só palavra – apenas nos olhamos fixamente, meio envergonhados. Em seguida, sentamos lado a lado na calçada, e ficamos numa troca mútua de olhares apaixonados, sem uma palavra sair de nossas gargantas. Talvez tenhamos ficado ali durante horas nos olhando, um mirando o rosto do outro, sem esboçarmos um movimento ou proferir qualquer palavra. Somente quando o sol estava se escondendo no céu manchado de um rosa vivo, ela cortou pela primeira vez o silencio.

– Você mora nesta rua? – perguntou, olhando em meus olhos, e logo em seguida desviando os seus para a ponta do pé.

– Nasci aqui – respondi, sorrindo, sem deixar de olhar para o seu rosto.

– Vim passar as férias na casa de minha prima, a Helena...

– Você é prima da Helena?! – perguntei, entre surpreso e feliz. – Ela nunca me falou de você!

– E você alguma vez perguntou de mim? – disse ela, sorrindo.

– Também não – falei, meio sem jeito –. Pensei que Helena não tivesse outros parentes, a não ser o pai.

– Aqui nesta cidade não tem, é verdade; agora, em São Paulo... somos uma família numerosa.

Comecei a me envolver, aos poucos, pela conversa daquela moça tão encantadora, que nunca vira antes. Procurei mudar o rumo da conversa. Fiz perguntas a seu respeito. Perguntei primeiro o nome.

– Ana – respondeu, exibindo um cativante sorriso até o canto das orelhas.

– O meu é José... José Roberto... mas pode me chamar de Zero...

– Zero?

– É... Zé de José e Ro de Roberto... Ze-ro!

– Você é tão engraçado! – Ana, mais uma vez, exibiu seu sorriso já característico.

– Gosto de agradar as pessoas com quem simpatizo, principalmente quando se trata de uma moça tão linda como você...

Percebi que o seu rosto se enrubesceu. Tinha falado o que não devia, e tentei me desculpar. Mas logo ele voltou a sorrir, readquirindo a expressão alegre de sempre. Ficamos conversando até o cair da noite. Depois de algum tempo, ela levantou-se e disse-me, meio sem jeito, que já era muito tarde, tinha que entrar. Um pouco a contragosto, concordei e também levantei, enquanto Ana entrava e fechava o portão.

Antes de entrar, olhou para mim e sorriu.

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Naquela noite, não consegui dormir. Ana não me saía da cabeça. Sonhei com ela várias vezes. Foram sonhos um tanto castos – rapaz que era (tinha dezessete anos) ainda não via malícia na vida. Em todos os sonhos, Ana sempre acabava em meus braços e eu a cobria de beijos. No final, ela desaparecia, e eu me via procurando-a por todos os cantos, sem conseguir encontrá-la. Daí vinha outro sonho, que terminava da mesma maneira – na hora em que Ana estava em meus braços, sumia inexplicavelmente.

Pela manhã, acordei bem cedo e fui até a casa de Helena. Ansiava por ver Ana. Helena ficou surpresa quando me viu àquela hora da manhã. Perguntei por sua prima. Ela respondeu que Ana tomara o primeiro ônibus de volta a São Paulo.

Fiquei totalmente desnorteado. Helena, não percebendo o meu espanto, completou dizendo que a prima resolvera retornar à capital para resolver um assunto que não quis especificar. Fiquei mudo por alguns instantes, olhando feito bobo para Helena. (Então Ana partira, assim de repente, sem ao menos despedir-se de mim? Ela não passaria as férias inteiras na praia?). Helena nada respondeu, apenas franziu os lábios, dando a entender que sabia tanto quanto eu.

Fui até São Paulo, e os pais de Ana me informaram que ela tinha ido passar as férias na casa da prima. Fiquei mais intrigado ainda, mas nada disse a eles, afinal nem os conhecia. Voltei para casa completamente desorientado.

Na minha cabeça martelava sempre a mesma pergunta: para onde teria ido Ana, e por que partira tão repentinamente? Não conseguia entender aquela atitude tão inesperada.

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Durante anos, procurei-a por todos os lugares, sem nunca a encontrar. Larguei o emprego, afastei-me dos amigos, sacrifiquei tudo o que me era mais caro só para sair à sua procura. Nada era tão importante para mim do que rever Ana e acalmar aquela angústia que pulsava dentro do meu peito.

Jamais fui o mesmo desde que ela partiu. Como um estigma, Ana ficou gravada em minha mente, sem que conseguisse me desvencilhar de sua imagem, por mais que tentasse.

O que me atraiu em Ana, naquele dia na praia, foi o seu sorriso cativante, com aqueles dentes brancos e retilíneos, que nada ficavam a dever às mais perfeitas das pérolas. Seu rosto, em si, era de uma beleza convencional, como o de qualquer moça bonita (mas aquele sorriso... ah, como me conquistou!).

Muitos homens acham interessantes outras partes do corpo das mulheres: alguns preferem as nádegas; outros têm preferência pelos seios; uns apreciam mais o rosto. Eu, confesso, fui atraído pelo sorriso de Ana, mais particularmente pelos seus dentes de marfim. Com tantos outros atrativos, por que me fixei justamente nesse, à primeira vista tão pouco chamativo? O que é mais sensual numa mulher, senão umas nádegas bem torneadas ou um par de seios rijos e intumescidos? Em Ana, esses atributos também mereciam atenção – o seu corpo apresentava todas as medidas apropriadas para o que se define como padrão de beleza feminina. A superioridade de Ana sobre as outras era inquestionável – nenhuma possuía o seu sorriso modelar.

Nas mulheres que passaram pela minha vida, em vão procurei alguma cujo sorriso se assemelhasse ao de Ana. Foi uma procura insensata, admito (que poderia fazer, se nenhum interesse sentia por mulheres de sorrisos inexpressivos?). Em todas, logo na primeira vez, lançava o meu olhar para a boca, analisando o traçado dos lábios, a perfeição dos dentes. Esse era o primeiro requisito que habilitava uma mulher a desfrutar de minha companhia, e de minha cama.

Talvez por isso tenha saído com tão poucas, nesses anos todos.

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Hoje faz vinte anos desde que vi Ana, pela primeira e última vez. Depois daquela tarde inesquecível na praia, nunca mais a encontrei.

Pela manhã, depois do café rápido de todos os dias, ao ler o jornal, verifiquei uma nota que me fez sentir arrepios pelo corpo todo. Num anúncio classificado, uma certa Ana gostaria de obter notícias sobre um tal de José Roberto.

Seria a mesma Ana? Uma estranha sensação me dominou por inteiro. Teria encontrado uma pista da mulher que procuro há tanto tempo? Sem demora, anotei o endereço, e saí à procura daquela misteriosa Ana.

A rua ficava no bairro mais luxuoso da cidade. Procurei pelo número; por fim, encontrei a casa, ou melhor, a mansão, daquelas dignas de um empresário bem sucedido. Chamei pelo interfone, apresentei-me, perguntei por Ana, a mulher que publicara o anúncio no jornal. Uma voz suave pediu-me que esperasse um pouco, que logo o portão seria aberto.

Esperei uns quinze minutos. Já estava ficando impaciente, a minha respiração se tornara descompassada, um suor frio me encharcava a camisa. Finalmente, o portão se abriu, e uma senhora idosa disse para entrar, conduzindo-me em seguida para uma sala espaçosa, decorada com muito requinte.

No sofá, estava sentada uma mulher ainda jovem, de traços finos e delicados, vestida elegantemente, que se levantou e apertou a minha mão. Era Ana (sim, tinha certeza!). Estava muito mudada (o seu olhar tornara-se opaco, não brilhava mais como antes).

Ana fixou os seus olhos nos meus durante um espaço de tempo que não pude determinar (algo me incomodava o estômago). Percebi uma enorme tristeza naquele rosto. Foi ela quem puxou conversa comigo:

– Como tem andado, Zero? – sua voz era macia, apesar de receosa.

– Há vinte anos que ando à sua procura! – respondi secamente, sem tirar os meus olhos dos seus.

Ela baixou os olhos; parecia querer dar alguma explicação. Olhei para a parede e notei um quadro, onde uma Ana bastante jovem estava acompanhada por um homem (julguei que fosse o seu marido).

– Ele morreu há um mês – disse, como se adivinhando. – Casamos logo após ter retornado da casa de minha prima. Durante muitos anos viajamos pelo mundo, até que, um dia, decidimos fixar raízes e compramos esta casa. – Ana fez uma longa pausa. – Talvez você tenha achado uma loucura o que aconteceu, e realmente admito que foi uma loucura; mas, naquele dia na praia, eu senti uma inexplicável atração por você. – Ana fez outra longa pausa. – Queria ter podido amá-lo, como senti que me amava; mas não podia, estava muito dividida, daí achei melhor me casar com ele (apontando para o quadro), com quem já namorava há um ano. – E, com lágrimas nos olhos: – Confesso, Zero, que, durante esses anos todos, apesar de ter sido muito feliz ao lado dele, jamais tirei você da minha cabeça...

Fiquei perplexo. E por que, então, casou-se com esse cara? Ana não conseguiu me responder. Olhei em seus olhos, e pude ver a grande amargura que neles se estampava. Ela me sorriu, envergonhada.

Neste momento, uma sensação incômoda me assaltou. Notei que o seu sorriso não era mais expressivo – os seus dentes não brilhavam mais como pérolas (supus que usasse dentadura, pois os dentes estavam deformados nas extremidades). Ela me abraçou, chorou em meus ombros. Não fiz qualquer movimento. Sentia um enorme mal-estar. Com delicadeza afastei-a. Olhei para ela, enojado.

Não. Aquela não era a minha Ana. Não era a mulher que procurei ansiosamente durante toda a vida. Ana estava morta. O seu sorriso (aquele seu maravilhoso sorriso de marfim) havia perdido todo o brilho que um dia tanto me cativaram.