No divã do fim

...no divã da irrealidade, sentado comigo mesmo, confessava frustrações e ilusões, me fazia refém de uma perturbação extraordinária, que quase cria de verdade que existia ou havia existido.

Com minha terapeuta, impelia doses de confortos, alguns remédios aliviavam e sempre com hora marcada prestes a acabar o efeito, tudo voltava a ser chato outra vez.

Toda manhã me assentava naquela poltrona que já possuia o meu formato triste, sabia que era algo fantasioso, mas a mobília rústica, o cheiro de madeira arcaica, ah! que aroma! e as cortinas marfins, eram um êxtase para os meus olhos, isso tudo me fazia voltar diariamente, mas é claro, isso não passava de mais algumas mentiras esfarrapadas que dava para o meu eu, só para conforta-lo, como de praxe.

Ao sair do consultório que situava no centro da cidade, tomava o mesmo trajeto, pois era do tipo que não vivia sem uma bela rotina. Além de distúrbios, TOC's diversos e um tanto de problemas psicológicos, era assim que sobrevivia no meio da humanidade sã.

Uma certa vez, tive uma crise de pânico na rua, pegando o ônibus em direção a minha casa, num determinado momento, me vi sendo perseguido por algumas coisas bizarras, algo que assemelhavam com morcegos e dragões, se eu contasse para alguém, no caso a Angela (minha terapeuta), ela iria me encaminhar para a minha 32° internação, isso com apenas 30 anos de idade.

Era quase que uma colônia de férias, só que não, nesse ambiente era como um filme de terror, os enfermeiros monstros maltratavam sem dó de cada paciente...

As coisas ao decorrer do tempo pareciam melhores, era confuso, mas calejado de tanto ser pego em crise, acabei tendo alguns artifícios que me deixavam "normal", assim parecia, todavia, no meu íntimo era uma insanidade só, parecia dias que não cessariam, um mundo inóspito brotava, enlouquecia a uma maneira terrível, precisava de ajuda, mas as vozes não deixavam...

No mês de meu 31° aniversário, minha família veio me visitar e como de costume, fizeram um bolinho para mim, era trivial eles aparecerem apenas para fazerem "sala", achando que com isso mudaria alguma merda, contudo eu sabia o quanto eles desprezavam o maluco e doido varrido aqui, eu ouvia sempre eles cochicharem nas beiradas dos cômodos sobre o "apreço" que tinham por mim.

Desde de a infância, ninguém se importou realmente comigo, exceto a minha querida avó, a dona Sueli, ela era o que eu tinha mais de precioso, a minha amiga e companheira de aventuras... Na época que ela estava viva, eu era um garotinho e minha imaginação ainda não era perturbadora, anos felizes que eu tento preservar na memória...

Como sempre tudo muito chato, um falatório, uns sorrisos bem falsos e um tanto de desalegria invadia o meu ser, ah! e as vozes pediam para eu explodir a sala, às vezes elas eram engraçadas, como eu teria um artefato explosivo no meu bolso?

Depois daquela chatice e de todos irem embora, enfim fiquei só, do jeito que eu mais amava.

Pensava nas horas que passei sentado no divã, as horas mais surpreendentes e sem sentido da minha história.

Passei algumas horas escrevendo uma carta e as vozes perturbavam-me com intuito de cometer autocídio, mas nesse instante, eu havia deixado de tomar toda dezena de remédios, já estava imerso em uma depressão e não conversava com a Angela durante duas semanas, e não seria agora, que essas porcarias de vozes me convenceriam, pois antes disso, o plano estava arquitetado. Era hoje que eu iria dar adeus de vez a essa vida...

Com cada palavra bem colocada no papel, fui ortografando cada sentimento e cólera que estava aprisionado dentro de mim, falei da minha ausente família, da estima que eu tinha pela Angela, da minha avó Sueli e até de alguns amigos de infância.

Cada frase indelével, cada referência infame de pessoas que não ligavam para seus amados parentes...

Insípido da vida, eu fui deixando para trás tudo aquilo que eu não quis viver, entretanto vivi.

A dor latente que não conseguiam enxergar, estava sendo posta em papéis que traziam uma tristeza extrema, a esperança opoente a certeza de dar um basta, se achegava a cada minuto...

Depois de escrever, com uma enxurrada de lágrimas, olhei para o quadro que havia na minha parede da sala, uma paisagem muito bonita, montanhas gigantes e um horizonte onde o sol o encontrava… peguei o telefone e disquei para a Angela avisando-a sobre o suicídio que iria ocorrer, ela tentou falar algo, mas bati o telefone imediatamente e com passos curtos, fui para a banheira que já estava cheia, o meu divã havia se transmutado, e decidi partir para um horizonte sem fim, no qual não sabia o que seria após isso...

Felippe Lacerda
Enviado por Felippe Lacerda em 16/02/2018
Reeditado em 16/02/2018
Código do texto: T6255179
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