Reconhecimento "humano".

Reconhecimento

Etelvina estava para aposentar-se dentro de dois anos na repartição pública. Desquitada, com uma filha já com 24 anos, não chegava a detestar seu trabalho, cujo ambiente era cercado de ótimos equipamentos, mas o clima entre os integrantes do setor era desagradável em função de uma política pessoal desgastante, alimentada por um chefe sem sensibilidade para criar uma ambiência motivadora dentro da equipe. Chefe este que chegou ao posto mais pelas cervejadas após o expediente com o escalão superior do que por ter galgado degraus profissionais com distinção ao longo do tempo.

Talvez por isto ela não se animou a usar o micro como ferramenta auxiliar para suas atividades diárias. Preferia sua máquina elétrica de escrever, onde exibia alta capacidade de uso para atender às tarefas sob sua responsabilidade, que englobava o controle de estoque de material do escritório local. Pela eficiência demonstrada e alegando economia de verbas, o chefe Felipe nunca viu a necessidade de colocá-la num curso para ficar capacitada a usar a moderna ferramenta. Ele pouco ligava para o bem estar de seus subordinados. Bastava-lhe que o chefe superior não o incomodasse para sentir-se realizado.

Um dia, Etel estava almoçando na própria mesa de trabalho com Tito, colega programador de rosto fino do setor ao lado e viúvo com quase 55 anos. Eles começaram a conversar sobre as potencialidades que os programas do micro poderiam oferecer para melhorar o trabalho dela. Tito gentilmente se ofereceu a criar um programa para ela, de acordo com suas necessidades diárias. Em paralelo, ele lhe mostraria como era fácil usar os comandos através do teclado e do mouse.

Depois de três meses de ensinamentos do dedicado companheiro na hora do almoço, ela percebeu como poderia melhorar sua criatividade e produtividade usando a nova ferramenta. Ficou tão empolgada, que passou a utilizá-la além do final do expediente. Certo dia, distraída em suas atividades, não percebeu a chegada de Felipe, que diante do quadro, resolveu fazer galhofa com a funcionária.

- Olá Etel! Fazendo extra? Usando micro? Está pensando em pedir aumento? Pode desistir, pois o governo está mantendo nossos salários congelados para cobrir os gastos (rombos, pensou) públicos. Ou está fazendo o tempo passar para encontrar com o namorado?

Etel, enfezada pela abordagem inoportuna e debochada, de forma sutil rebateu:

- Nada disto, “amado” chefe! É que agora encontrei quem “conversa” educadamente comigo. Por incrível que pareça, esta máquina me trata melhor que alguns seres humanos. Veja só se não tenho razão.

- Quando cometo uma primeira falha, ela envia a seguinte mensagem:

“Calma colega. Observe a natureza do campo a ser preenchido. Tente mais uma vez. Temos tempo”.

Felipe ficou ruborizado e engoliu em seco.

- Quando cometo uma segunda falha, ela envia a seguinte mensagem:

“Oi, colega. Se estiver com dúvida no preenchimento, pressione <F1> e observe os exemplos de todas as possibilidades possíveis.”

Felipe começou a suar frio e arranhou a garganta com um gemido leve.

- Quando acerto o preenchimento, ela responde:

“Valeu, colega. Preenchido corretamente. Continue assim.”

Felipe começou a olhar para o relógio de pulso com certo nervosismo.

- Quando pressiono <F9> para indicar que terminei a sessão de tarefas, ela responde:

“Parabéns, colega! Quando precisar, é só chamar que aqui estarei para servir-lhe.”

Felipe começou a dirigir-se para a porta suando e com passos trôpegos ia dizendo:

- Agora tenho uma reunião com o chefe da Divisão. Amanhã a gente conversa mais um pouco.

Etel pegou o telefone, pressionou uma das teclas programadas e aguardou 5 segundos. Quando ouviu a agradável voz do outro lado, disse cheia de suavidade:

- Vou descer em 5 minutos. Estou tão feliz hoje que vou pagar o nosso jantar. Como sobremesa, vou morder este lindo queixo até que o sono me domine.

Haroldo P. Barboza – agosto/2007

Autor do livro: Brinque e cresça feliz!

Haroldo
Enviado por Haroldo em 27/08/2007
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