A DESPEDIDA DA MENINA JULITA
 
    Naquela noite de outono, ainda era bastante cedo quando a garota Julita sussurrou o seu último gemido, deixando soar a derradeira frase daqueles lábios angelicais, pedindo que nossa genitora apagasse a lamparina.
     Ela, em voz meiga de menina, disse assim:
     __Mã-mãe, apaga a vela que vou dormir!
    Como a genitora não apagou a rústica candeia, a garota, quase num passo de magica, parou de gemer e começou a retesar os músculos num movimento involuntário; em seguida, sem dizer palavras, pestanejou para o último adeus. A mãe, segurando o corpo juvenil da filha, viu o fôlego vital abandoná-la completamente. Naquele momento, a morte quebrava as amarras da vida e instalava um poço de tristeza no seio familiar. Em prantos de desesperos, a mãe principiou num duro e definitivo estado de sofrimento. Não foi nada fácil presenciar aquela situação.
     Enquanto algumas comadres tagarelavam na cozinha, aquela mãe que acabara de perder a filha, chorava inconsolável; na varanda, o velho tio Mulato remoía a segunda mascara de fumo sertanejo e soltava cusparada nos cantos amarelados da casa de chão batido. Alheia a tudo isso, estava Julita; ali, quieta, cabelos compridos junto ao corpo, e uma face de criança outrora revestida numa beleza cabocla, agora, mostrava-se descorada e friamente silenciosa. Findava, ali, longos dois meses de um grande sofrimento.
      Enquanto José Maurício, um amigo da família, providenciava um caixão feito de talo de buriti, o velório se desenvolvia num clima de lamentações. Muitos eram os comentários sobre as qualidades e beleza física da garota Julita. Falavam, também, que aqueles ombros de pouca idade ainda teria um mundo inteiro para conquistar. O papagaio, lá na cozinha, teimava em repetir o nome da garota; parte dos visitantes teorizava sobre a vida e a morte, o céu e o inferno, Deus e o demo, a paz e a guerra, o sorriso e a tristeza.
Olhando aquela face simples de garota do interior, velada em meio a muitos comentários, não consegui segurar as lágrimas. Nosso pai, Aderson Santana, homem de poucas palavras, continuava mais sereno do que nunca, embora seu coração chorasse em demasia a perda daquela filha de algumas primaveras e um paiol de sonhos ainda em construção. Tudo consumido pela sede de uma febre inexorável demais, denominada Meningite.
    Dez horas da manhã. Aquela garota que não passava de um encanto humano-uma verdadeira lição de humildade, beleza e dedicação, agora era levada para o cemitério da Mata num sublime caixão de talo de buriti. Enquanto, diziam os teóricos de plantão, o espírito já estava junto ao Pai. A nossa mãe não teve forças para acompanhar o cortejo. Ficou em casa numa sessão inconsolável de lamentos maternos.
     Mesmo após várias décadas, D. Terezinha ainda busca preencher o hiato em seu canto de amor materno provocado pela ausência do rosto daquela menina que atendia pelo nome de Julita e foi prematuramente ceifada; e que, num paiol de ilusões, ainda aparece em sonhos sorrindo e brincando nos terreiros do velho casarão do povoado Sangue.