Já Pode Beijar a Noiva - Frente a Frente

Já Pode Beijar a Noiva

Frente a frente

1

O que acontece depois do ódio? O que acontece se ele de repente possuir seu corpo e dominar cada célula? Débora enquanto dirige rumo ao encontro com o homem que arruinou sua vida, joga no acelerador todo o seu furor e talvez até uma ponta de esperança. Sua direção é perigosa, mas ela sempre foi uma boa motorista. O lugar marcado pelo crápula fica um pouco distante, mas não importa, tudo o que ela quer é poder olhar nos olhos de Antônio e perguntar, porquê?

Nem tão bem arrumada ela está. Débora apenas vestiu a única calça jeans limpa, ajeitou o cabelo com os dedos, jogou uma água na cara, colocou uma blusa com desenhos infantis na estampa e partiu. A ocasião não pede uma superprodução. Talvez ela esteja indo para um confronto final com Antônio. Mais 800 metros e ela estará frente a frente com ele. Desgraçado.

O local agora ela consegue se lembrar, um restaurante bastante simples onde as mesas ficam fora do estabelecimento. Os clientes são servidos carinhosamente por funcionários educados e eficientes. O cardápio e sucinto, porém a comida é digna dos deuses. Será ali onde Antônio finalmente dará uma satisfação a noiva abandonada no altar. Débora chega segurando sua minúscula bolsa contra sua barriga. Ela consegue identificar a mesa onde Antônio e ela ficaram da última vez em que estiveram ali. A mesa fica um pouco mais afastada das demais e isso facilitou o assanhamento de seu noivo que não tirava a mão de sua perna.

- Antônio, pare, as pessoas estão olhando.

- Claro que não estão olhando.

Foi um jantar maravilhoso, uma noite esplêndida. Depois do jantar eles foram para a casa de Antônio onde fizeram amor. Débora pela primeira vez dormiu fora de casa e abraçada a um homem. Foi legal. Pela manhã ele a levou até a porta da faculdade, trocaram alguns beijos dentro do carro e pronto, ela estava pronta para encarar quatro horas de aula. Como a vida é injusta para certas pessoas. Débora acreditava piamente que Antônio seria o homem que a faria feliz, que a protegeria, que estaria com ela na saúde e na doença. Ela acreditava mesmo.

O restaurante não está tão cheio. Ela se acomoda na mesa perto de um jardim onde há uma cascata artificial. Realmente o barulho da água caindo tranquiliza a alma. Um garçom se aproxima lhe apresentando o menu.

- Boa tarde senhora, o que vai querer de entrada?

- Tem café?

- Sim, açúcar ou adoçante?

- Açúcar, por favor.

- Um minutinho.

Foi em menos de um minuto. O café é ótimo, alias, tudo naquele lugar é bom. Gole a gole ela vai aguardando a chegada de Antônio. Sempre que alguém cruza a porta do estabelecimento ela pensa em se tratar dele. O café termina e finalmente ele chega. De repente o lugar se torna escuro, sem cor, lúgubre. Antônio Lima. O que ele tem a me dizer depois de tudo o que fez? Vamos aguardar.

2

Cara a cara com o demônio. Antônio ocupa a cadeira a frente de Débora. Não há palavras iniciais, nem preâmbulos, apenas o silêncio. Ele pigarreia, apoia o braço na mesa e entrelaça os dedos. Os olhares se cruzam, com certeza o dela está bastante machucado. Antônio toma a iniciativa.

- Você mudou.

Foi mais forte que ela. Quando deu por si, sua mão já estava entrando em contato com o rosto dele.

- Esperei um mês por isso.

- Sua…

- Veja bem do que vai me chamar, posso muito bem repetir a dose.

- Certo. Vamos lá…

- Vamos lá nada, eu só quero uma resposta.

Antônio esfrega devagar o local do tapa olhando friamente nos olhos de sua ex. Até agora ele não acredita que ela, Débora, o agrediu em público. Que situação chata e dolorosa. Ele engole seco e mede cada palavra antes de dizê-las. Uma mulher ferida pode ser algo perigoso, jamais mexa com uma mulher emocionalmente ferida, isso pode lhe custar alguns arranhões ou a perda de um membro. Antônio abaixa a cabeça.

- Eu me vinguei de você Débora, foi isso.

- Como é que é? - franze a testa.

- Isso que ouviu, eu nunca gostei de você, fiquei com você todos aqueles anos para me vingar.

- O que eu lhe fiz? - o tom de voz começa a ficar mais alto.

- Fale baixo, por favor.

- Não me mande falar mais baixo, me conte essa história direito.

*

Débora beija e geme ao mesmo tempo a Gelson, seu namorado do tempo de ginásio. Eles estão escondidos atrás da quadra da escola matando aula. Muito fogosa, Débora começa a retirar a camisa de Gelson que tem sua respiração acelerada. Vou transar, assim pensa ele. O fogo só aumenta entre os dois. Débora já está sem sua blusa do uniforme quando é surpreendida por um inspetor.

- Vamos acabar com essa safadeza agora. Os dois para a sala.

Como foram descobertos? Eles armaram tudo direitinho. Seria uma transa e tanto. Como isso pode acontecer? Gelson e Débora se separam, cada um para sua classe. Escondido entre as pequenas árvores o jovem Antônio sorrir. Dias depois tudo chegou ao conhecimento do casal e é claro rolou um plano de vingança.

- Vamos convidá-lo para a festa da Dani, lá iremos humilhá-lo, o que acha?

Débora esfrega as mãos.

- Ótimo!

A festa rola solta. Todos dançam e cantam ao som do DJ. Quando todos estão reunidos no salão, Gelson pega no microfone segurando um papel.

- Agora chegou o momento mais esperado quando premiaremos o nosso amigo Antônio.

Antônio faz cara de espanto.

- E o prêmio de o cara mais sem sal da escola vai para, ANTÔNIO.

O rapaz é ovacionado por todos seguido por vaias. Restou a Antônio sair correndo porta afora. Claro que mais tarde isso caiu nos ouvidos dele e desde então sua vida mudou completamente. Ele se tornou um sujeito rude, esquisito e vingativo. Ele permitiu que tais sentimentos fossem nutridos dentro dele e isso durou anos.

- Eu pensava em você todos os dias e quando a vi beijando aquele convencido do Gelson, a única coisa que pensei em fazer foi denunciá-los.

Débora engole seco olhando nos olhos de seu ex.

- E por que você nunca me disse que gostava de mim?

- Você não me dava chance, Débora, lembra, você era a garota mais popular do colégio, disputada a tapa pelos garotos, como um antissocial como eu ira se aproximar de você?

Débora abaixa a cabeça.

- Ai então você se vingou.

*

O tempo foi passando e parece que a raiva só foi aumentando. O tempo de colégio passou e finalmente Antônio chegou a idade adulta. Hora de colocar seu plano em ação. Procurar por aquela que um dia fez de seu coração em migalhas não foi nada fácil, até que de repente, passando perto de uma loja de roupas finas eis que ele contempla Débora, o seu alvo. Nunca foi tão fácil envolvê-la, Antônio usou todo o seu talento que adquiriu durante anos para conquistar sua pressa. Débora caiu como uma patinha na conversa fiada do sujeito e quando deu por si, ela estava completamente louca por ele, estupidamente apaixonada.

- Meu Deus Antônio, como pode me enganar e se enganar durante cinco anos, e todas aquelas juras de amor, os passeios, as transas?

- Eu estava muito determinado em vingar, eu não estava me enganando, eu simplesmente estava colocando em prática tudo que planejei e nutri contra você.

Débora limpa a lágrima que escorre.

- Você não é um ser humano, você é um monstro.

Antônio apoia os cotovelos no tampo da mesa e se inclina.

- Monstro é você, você e o Gelson, em breve darei uma lição nele também. Na escola eu te amava, Débora, mas você só tinha olhos para os garotos mais descolados. Não bastasse ferir meu coração, vocês dois me humilharam e agora pagarão pelo que fizeram.

Seguiu-se um longo período de silêncio entre os dois. Débora remoía os cinco anos em que foi enganada enquanto que Antônio vibrava ao vê-la sofrer. A mente da mulher dá inúmeras voltas até parar num ponto de seu passado. Um passado distante, mas que ainda grita em seu ouvido. Débora levanta a cabeça e mesmo com a visão distorcida por causa das lágrimas ela consegue ver no rosto de Antônio uma satisfação. Mais uma vez ela limpa o rosto e diz.

- Eu te perdoo, meu amigo.

O semblante de Antônio decaí na hora, como se fosse uma árvore.

- O que disse?

- Eu te perdoo, por tudo o que fizeste comigo.

- Está surtando? - se ergue.

- Não, eu nunca estive tão lúcida em toda minha vida. Estou apenas colocando em prática tudo o que foi me ensinado por minha mãe. Certa vez ela me disse que não devemos pagar o mal com o mal e sim, pagar o mal com o bem, por isso, meu amigo, eu estou lhe perdoando. - pega sua bolsa. - por mim está tudo bem, hora de recomeçar a vida. Fique com Deus Antônio.

Débora deixa o restaurante e também deixa um Antônio derrotado, sentado naquela cadeira a beira do pranto. Sua mente também dá voltas até parar num passado distante onde seu pai conversa com ele na beira de um rio num dia de pesca.

- O mundo precisa de pessoas boas, de pessoas vingativas o mundo está cheio. Se todos soubessem que o mal se paga com o bem o mundo seria outro.

O pequeno Antônio escuta as palavras do velho pai enquanto brinca com um graveto.

- Escute uma coisa meu filho, todo mal deve ser combatido com o bem.

Cinco anos enganado alguém. Cinco anos se enganando. Cinco anos jogados fora. Antônio chega as lágrimas ao sentir de repente o peso desses cinco longos anos. FIM

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 11/03/2018
Código do texto: T6277210
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