DOCE MANÚ

Era uma manhã chuvosa... com ventos que sopravam em várias direções. O tic tac do relógio juntava-se ao tamborilar dos pingos que, descendo do céu cinzento, despertavam a Natureza... raios iluminavam o horizonte... eram as trovoadas de janeiro.

A Doce Manú, como era conhecida no bairro, acabara de acordar, muito apressada e, como sempre atrasada para a escola... não sabia aproveitar seu tempo, pois que se perdia em distrações vãs e sem sentido, tipo mensagens no WhatsApp ou no Face. Era uma jovem saudável, de classe média, muito emotiva; às vezes sem motivo, chorava rios de lágrimas. Emanuelle da Silva, na flor da juventude, em seus treze anos de idade, tinha cabelos longos e olhos amendoados, sempre foi considerada a mais bela daquela região. Ela sabia que não podia perder aula, teria prova de Português no primeiro horário. Rápido desceu as escadas, deu um beijo no rosto do pai, Sr. Horário, que se encontrava na cozinha preparando o café:

- Filha, você sempre atrasada para a escola, disse-lhe sorrindo.

- Pai, fiquei acordada a noite quase toda, estudando para prova de hoje.

A mocinha saiu correndo em disparada até o portão, para não perder o ônibus que passava, naquele exato momento...

Ao chegar na escola, a jovem percebeu um clima pesado, como se um rio, com águas turvas, houvesse preenchido todos cômodos e corredores. As salas de aula vazias... pessoas de semblantes tristes circulavam, caladas. Ela imediatamente parou próxima ao rol de entrada. Perguntando ao porteiro:

- Sr. Josué, o que aconteceu por aqui?

O senhor de cabelos grisalhos, como capuchos de algodão, respondeu-lhe, suavemente:

- Mocinha, a sua professora de Português faleceu, subitamente, essa manhã.

Emanuelle quedou-se, paralisada, deixando a escola cabisbaixa, aos prantos. Sentia um frêmito congelar todo seu corpo. A chuva continuava forte, misturando suas lágrimas aos cachos negros de sua cabeleira; obrigando a se proteger sobre a marquise de um velho armazém abandonado. Fixou seu olhar em algum ponto da imensidão, ainda com os pensamentos emaranhados pelo mórbido acontecimento. De repente, abriu-se, a seus amendoados olhos, a visão de um bosque que, trespassado por raios argênteos do sol, formava faixas douradas, na relva macia e salpicada de flores (havia adormecido, recostada à velha porta enferrujada). Por entre os galhos e troncos avistou a velha mestra que, com uma cestinha enfeitada de flores, pendurava lindos adornos nos galhos e arbustos... Aproximou-se, notou que os adornos eram na realidade, letras, palavras, frases, versos... de belezas ímpares, que tocavam seu coração, mente e alma... Ali ela compreendeu, maravilhada, o que a mestra tanto insistia em mostrar-lhe, mas que ela não atinava a ponto de compreender: a Poesia!

Quando despertou, já havia anoitecido, as Estrelas brilhavam com intensidade indicando-lhe o caminho de volta à sua casa. Ela mentalmente dizia: “Algo mudou... sei que nunca mais serei a pessoa de antes... Obrigada, querida mestra, por ter feito parte da minha vida... e me mostrado a verdadeira beleza que há nos estudos.”

Os tempos passaram... A Doce Manú nunca mais se atrasou para escola. Ela sempre procurava aproveitar os bons momentos de sua vida. Todos os dias, ao amanhecer, abria a janela e contemplava a Natureza, enchia os pulmões de ar e sentia, no cheiro da terra molhada, nos pássaros que gorjeavam, nas flores e na grama do jardim, o sabor encantador das letras da Poesia. Agora ela sorria para tudo e, calmamente descobria, que até nos beijos no rosto do velho pai e no cantarolar ao caminho da escola, havia o toque doce da Poesia.

A Doce Manú se tornou poetisa, seus encantadores contos, prosas e poemas chegaram ao coração de muitos outros jovens que, sentindo a beleza e a alegria contidas nas Letras, passaram a viver mais felizes e mais sábios... Ela nunca se esqueceu da sua professora de Português que, prematuramente, teve a vida interrompida pelo destino, mas que, lá no Céu, a sua professora era uma estrela a brilhar, derramando raios de poesia pelos corações juvenis.

A Doce Emanuelle, agora sabe aproveitar todos os momentos da vida, do mais simples ao mais belo, sem pressa alguma... Ela compreende que o primordial da vida é viver feliz, e sabe que ainda tem muito para aprender.

São lições sem fim...

Elisabete Leite – 22/02/2018

Elisabete Leite
Enviado por Elisabete Leite em 30/03/2018
Reeditado em 30/03/2018
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