Quando menos, suspeito...

O Colégio São Marcos, da rua Conde de Santa Marinha, bairro Cachoeirinha, em BH, foi a minha segunda experiência formal de magistério. Durou de maio a dezembro de 1970. E embora, fosse eu então estudante de Letras, diploma alemão-português junto à UFMG, coube-me ensinar Organização Social e Política Brasileira (OSPB), a uma turma mista de animados jovens de uma quarta-série ginasial, com quem eu me confundia em adolescência.

Com um passado recente de seminarista e com pouca gente disposta a enfrentar o ensino daquela disciplina que o regime militar havia imposto ao nosso currículo, não me pareceu demasiado desafiador encarar aquele repto. Demais, eu precisava ser útil à sociedade e, sobretudo, perseguir a tão-sonhada auto-suficiência econômica.

Era aprazível e entusiástico o ambiente no São Marcos, onde eu me apresentaria uma vez por semana, mas quem pontificava mesmo era o excelente Professor José Aparecido Louzada, lente de português, aluno mais antigo das Letras da UFMG, precocemente encanecido, e uma graça ambulante, idoluminar para tanto mestre quanto para tanto estudante.

Por razões que me escapam à própria razão, porém bem diversas, somente os nomes de dois alunos foi que retive na memória: a morena Celma, assim com C inicial mesmo, de cabelos longos e olhar ainda mais distante, e o Cláudio, de cabelos bem mais curtos, que uns poucos anos depois eu voltaria a encontrar como examinador do DETRAN, que me aprovou, sem louvor, numa segunda tentativa.

E de um único episódio é que tenho recordação de todos aqueles meses que passei tentando fazer-me ouvir em cousas em que eu próprio custava a crer, mas que eram para mim o meio de viver: numa de minhas primeiras aulas, senão a inaugural, pude experimentar o desafio, ou mesmo quase hostilidade quando um dos mais salientes rapazes da buliçosa turma perguntou-me de chofre:

- Professor, o que o senhor acha da masturbação?

Estranhamente, já não me lembra a resposta que dei, diante daquele sllêncio ensurdecedor que se seguiu à indagação. Não duvido que não tenha me corado, ou mesmo gaguejado mas, hoje, em retrospecto, não acho outro jeito de não ter sido quando menos, perfeito suspeito...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/04/2018
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