O PRINCIPAL JOGADOR

Naquele primeiro de janeiro nascia o décimo filho do pedreiro José dos Santos. A mulher, dona Eufrázia já estava beirando os quarenta anos e teria um parto difícil por causa de sua idade, e das suas limitações. A perna amputada (vítima de um carro louco na volta da casa da patroa) prejudicava a sua locomoção. O parto foi realizado em seu barraco mesmo. Deitada em um colchão finíssimo (gasto pelo tempo) que machucava as suas costas magras o seu último filho viria ao mundo com penas 300 gramas muito desnutrido. Legmar nasceu mirrado e com um aspecto funéreo. Os seus ossinhos ficavam quase expostos e pareciam gravetos finíssimos agrupados um ao lado do outro. Os primeiros meses foram difíceis para ele. O leite materno estava escasso. A sua mãe se alimentava apenas uma vez por dia. Os seus dez irmãos tinham mais prioridade do que a mãe. Ainda não tinham idade para trabalhar, porém já ajudavam nas obras em que José dos Santos trabalhava na orla. A décima primeira criança sempre foi prematuro. As primeiras palavras proferidas por ele apareceram com quase dois anos após o seu nascimento. Os primeiros passos também vieram muito tarde. Mas o menino tomou corpo e firmou-se como mais um habitante terrestre. Aos seis anos Legmar passou a frequentar a escolinha comunitária de Dona Chica onde aprendeu as primeiras letras. Porém a sua grande paixão seria o futebol. Ao lado da escolinha tinha um campinho de terra batida chamado "o poeirão" que era o destino de Legmar no final das aulas, mas algumas vezes o garoto faltava a escola para desfrutar a sua grande paixão. A bola de meia seria a sua aliada nos inúmeros gols feitos no time amador Atlético Bauense. Aos 10 anos Legmar já despertava interesse em um time profissional no bairro Miragem do Sol.Mas a distância entre a sua casa e o outro bairro era um obstáculo. A falta de dinheiro dificultava a locomoção por falta de dinheiro. Às vezes a velha Eufrazia ia a pé ao trabalho para sobrar dinheiro. E assim o garoto Legmar ia aos treinos.Enquanto o garoto ia bem nos treinos com os seus gols espetaculares, nas aulas o seu rendimento ia de mal a pior. As notas baixas chamavam a atenção dos professores que convocaram a velha Eufrazia, que estava muito doente, para uma reunião. As faltas diárias de Legmar preocupavam o diretor da escola. A convocação da mãe do aluno aconteceu no mesmo dia de uma forte chuva que expós as deficiências de sua moradia através das inúmeras goteiras no barraco de telhas quebradas. A inundação do barraco foi outro problema que impediu a presença de Eufrazia na reunião de pais e o diretor. O maior temor dela seria o envolvimento de seu filho mais novo com drogas, e sempre aconselhava o filho para distanciar-se de más influências. Aos 14 anos Legmar já depontava como um promissor atacante, porém não tinha um incentivador ou empresário para assinar um grande contrato. Isso somente aconteceu aos quase 18 anos. O agora adolescente foi transferido para o Borja Esporte Clube e após seis meses e exatos 100 gols Legmar recebeu uma proposta de um clube japonês que o levou e transformou o mirrado garoto em artilheiro e o principal jogador de uma seleção que não foi campeã, mas tornou Legmar em um jogador de sucesso. Esse período promissor durou 15 anos, mas devido a várias lesões, noites mal dormidas com farras intermináveis, e muitas dívidas acabaram com a carreira do atacante interiorano. Agora aos 38 anos, e falido, o outrora garoto espetacular está na arquibancada, mas não para apreciar as jogadas de seus ídolos, e sim como novo técnico do time amador Barcelina de Morailândia. O futebol será ainda por muito tempo a sua principal diversão, mas sem o glamour da fama, entrevistas e envolvimento com modelos internacionais.

E o menino que antes ficava na arquibancada assistindo aos gols de seus ídolos desceu, tornou-se ídolo, e por fim voltou a arquibancada, agora ele é treinador. O futebol não sairá da sua vida.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 18/04/2018
Reeditado em 18/04/2018
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