DESSINCRONIZADO

Hoje me levantei da cama apressado. Meus olhos ainda tentavam se adaptar a luz ambiente, quando meu dedo mindinho quase vai de encontro catastrófico à quina da cama.

Estava atrasado. Era a informação que precisava saber para agir com mais pressa.

Café, jornal, tirar a última peça de roupa do varal. Pronto! Eu já poderia ir para o trabalho.

Morar em um apartamento no quinto andar era coisa para "não-atrasados", afinal de contas, o elevador subia devagar, igualzinho ao metrô, quando precisa pegar gente de estação à estação, então me restava a escada. Entretanto, se eu corresse pela mesma, correria o risco de cair e quebrar o pescoço, e... será que existe concerto para isso? É melhor não arriscar!

Dois minutos; foi o tempo que levei para descer as escadas. Tecnicamente meio minuto por andar.

A rua era a mesma de sempre. Gente olhando para o nada e indo de lá para cá, como zumbis do seriado The Walking Dead.

Nada de exepcional. Tudo como ontem, e como a semana passada. Será que acabei de ficar preso no paradoxo do tempo? Acho que não. Meu celular me mostrava números. Números que faziam meu cérebro entender que eu estava em um novo dia. Talvez esta era a única coisa que mudava. Os números.

O tempo passava, segundo meu celular, e eu mal percebia. Será que deveria acreditar neste aparelhinho eletrônico? E se ele estivesse me manipulando?

Me esbarro em uma garota enquanto ainda estava com o bicho na mão, sabe lá o que ela sussurrou, mas não deveria ter sido nada de bonito ao meu respeito.

Um trovão alerta chuva a qualquer momento, mas a previsão do tempo dissera-me que hoje seria um belo dia de sol... Não, espera... Foi ontem.

É, se eu abandonasse o aparelho, eu me perderia. Eu não costumo observar o céu, e certamente, se eu usar um calendário de geladeira, estes que vamos arrancando as folhas diariamente, eu com certeza me esqueceria de tirar uma das páginas e viviria dias aparentemente equivocados.

Um táxi passa por mim. Dou com a mão e ele para instantaneamente, fazendo o pneu gritar.

— Bom dia. Para onde vai?

— Olá. Para onde o senhor vai?

— Desculpe-me, eu me distraí. Estou indo para a Quinta Avenida, número 12.

Ele coloca as instruções de localização no GPS do Carro.

O Taxímetro começa a rodar assim que o carro arranca.

São mais números e mais informações para meu cérebro processar, em sincronia com os meus modernos aparelhos, é claro.

Passamos por um homem que levantava no exato momento, uma placa com dizeres: "E se vier a acabar?".

Aquilo me aciona um pensamento com uma resposta instantânea do meu inconsciente.

Eu já não sei o que seria de mim...

Pobre dessincronizado do mundo.

C.M. Novaes 18/08/2017

C M Novaes
Enviado por C M Novaes em 22/04/2018
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