A história de Luna
    A jovem Luna não sabia ao certo onde iria dormir. Carregava uma grande e surrada mala quando, finalmente, entrou naquele estranho pardieiro, indo se instalar num mísero quarto. Completava seu novo lar um pequeno móvel imitando uma penteadeira, um espelho manchado e uma cama com colchão. O banheiro coletivo e a estrutura do aposento não justificavam um aluguel tão caro! A recomendação de uma amiga e conterrânea a eximiu de antecipar o aluguel e, no mais, restava-lhe trabalhar, e muito, para pagá-lo devidamente. Havia chegado por volta das 14h e, a convite da amiga, fez sua primeira refeição. Depois disso, deitou-se e pôs-se a pensar na sua nova jornada. Sentia-se insegura. Não conhecia seu pai e deixara sua mãe muito longe. Veio de uma pequena e violenta cidade do interior, fugindo da ameaça de morte feita pela mulher de seu ex-amante.
      Adelaide, este o seu verdadeiro nome, era uma mulher de boa estatura, exuberante e com longos cabelos. Aos 23 anos de idade, ostentava uma beleza exótica. Não tinha traços de uma linda mulher, mas chamava a atenção pelo charme natural e um olhar penetrante, além de um belo sorriso. Nunca lhe faltava fé em Deus de que conheceria um amor de verdade e reconstruiria sua vida. A insônia frequente não lhe permitia sonhos comuns. Era de olhos bem abertos que ela ansiava conhecer este príncipe. Imaginava que ele ignoraria o seu passado e lhe daria muito amor. Às vezes suspirava profundamente e se imaginava correndo por um campo florido ao lado de seu amado fazendo planos de ter uma família de verdade.
    Já era noite quando foi alertada pela amiga de que chegava a hora do trabalho. Das oito garotas daquele sobrado, a maioria carregava anos de sofrimento.  Os programas não aconteciam ali. Prática comum nas grandes cidades, os clientes, de dentro dos veículos, faziam convites às pretendentes na calçada. Feito o programa, retornavam com a garota para o mesmo local.
     E assim Luna, apelidada pela coincidência de sua chegada com a bela lua cheia no horizonte daquela noite, começou seu primeiro trabalho. Bastou um sorriso encantador para que recebesse o convite de um homem jovem e elegante. Eram mais ou menos 21h quando saíram da rua num belo veículo em direção à rodovia. Tão logo o cliente entrou na estrada, percebeu que estava sendo seguido por outro carro. Entre muitos despistes, ele conseguiu entrar em uma via secundária e safar-se da perseguição. Passado o incidente, o cliente decidiu precaver-se:
       - Vamos dar um tempo pelo bairro e retornar para a sua rua até as coisas se acalmarem. Acredito que seu quarto seria o último lugar em que retornariam para me procurar. Fique tranquila! Pagarei por tudo que você entender como de seu direito.
    Luna, meio confusa, concordou, e uma hora depois já estavam no seu quarto. O veículo foi estacionado em um pequeno pátio ao fundo do prédio e não podia ser visto. O homem contou muito de sua história. Era também um sonhador, que desejava ter uma família. E para surpresa de sua interlocutora descreveu que estava cansado da vida que levava. Sonhava, um dia, estar na companhia de um grande amor percorrendo campos de flores e idealizando uma vida de paz e de felicidade. A conversa do casal adentrou a madrugada e Luna não teve dúvidas de que estava com o seu almejado príncipe. A sua fé inabalável havia lhe trazido aquele doce jovem e assim permaneceram se conhecendo como nunca.
    O barulho das dezenas de tiros foi ouvido em vários quarteirões. Programas sensacionalistas de TV, além das mais variadas mídias, divulgavam na manhã seguinte uma chacina no sobrado da Rua dos Sonhos, em que foram mortas seis pessoas, dentre elas cinco garotas de programa. Luna não teve plena convicção de que seu pretenso amor era, na verdade, um perigoso bandido. Foi traída pelos seus sonhos, suas carências e seu coração. Naquela última e especial noite, tudo o que vira naquele homem era exatamente o que havia sonhado para a sua vida.

 
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 25/04/2018
Reeditado em 26/04/2018
Código do texto: T6318922
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