Distraidamente,  Morgana permitiu que imagens de uma gruta úmida e escura invadisse o mais profundo de seu ser. Precisava remover aquelas cenas. Tinha medo de solidão, de escuro e de tudo que a isolava do contato com o mundo exterior. Quis mudar a linha de pensamento, mas percebeu que seu medo se afastava, na medida em que enfrentava o próprio medo.

Sairia devagar do sonho, com cuidado, como se não tivesse medo de sonhar. Não queria acovardar-se diante da luta contra o invisível, nem podia interromper as fantasias que visitam o mundo imaginário de um sonhador.  O sonho pode ser a ponte entre o impossível e o concrescível. Mas chegar ao ponto de querer morar numa ilha é fantasioso demais.  " Quem sabe, na ilha do amor. Quem sabe? " Ela sabia que Ravenala tinha paixão por ilha, bosque; tudo que gera ambiente propício à meditação.

— Ravinha,  sei que gostas de  escrever.  Mas não te atrevas morar numa ilha. O Isolamento linguístico e o atraso cultural não têm ouvidos para o saber.
— Posso sonhar... Os sonhos tornam a vida mais bela.
Baixou a cabeça, como se apanhada pela síndrome da ilha.
 — Não fique triste. Tristeza não cabe em teu rosto. Saia do casulo. Sonhe colorido.
— Estou mais  para o tom cinza...
— Não gosto do tom cinza. Cinza  é pó da tristeza depois que a chama do amor se apaga. Prefiro o azul-celeste.
Olhou discretamente para o garçom.
— Pois não, senhorita!
— A conta, por favor!

Morgana deixou sobre a bandeja uma nota de cem reais.

— Não quero troco.
O garçom liberou um sorriso comercial e acumulou em suas reservas mais vinte por cento além da comissão.
— Vais de táxi?
— Não! Meu motorista já chegou. Queres uma carona?
— Obrigada! Vou de metrô.
— Não é por acaso que te chamam de ‘a dama do metrô. '

Riram.

— Gosto de reparar o rosto das pessoas na estação.
—  E queres trocar a cidade por uma ilha desabitada?...
— Vivo numa ilha dentro de um universo de falantes que não me compreendem.
— O homem é uma ilha, se assim o quiser.  Que tens a fazer numa ilha deserta?
— Gosto do bosque. E quando posso me afasto da cidade. Gosto de sonhar, dormir tendo por teto as estrelas.
— Aprecio o bucólico e também o  urbano, cada um em seu tempo.  Não creio que alguém possa viver eternamente numa ilha. Dirias  a teu filho que há um mundo  perigoso,  depois do paredão das águas? Que depois da muralha existem pessoas que matam seu semelhante  para roubar um  tênis?  Não estarias instituindo a teoria do medo?  E se ele te perguntar: "Mamãe, o que é um tênis?..."
— Gosto de mistérios, e toda ilha tem seus mistérios.
— Talvez tenhas medo da solidão.  Neste caso, o   próprio veneno é antídoto.
Fez uma pausa. Tomou um gole de chá. Olhou para Ravenala que se mantinha em silêncio.
 — Se teu filho perguntar: ‘Existe outro mundo além deste universo azulado? Não lhe falarias de moda, avanços tecnológicos e outras coisas boas que há no mundo?  Não queiras tornar-se pregoeira do niilismo. Alguma coisa precisa ser feita para retomar a vida de paraíso que tiveram nossos primeiros pais. Não cruzemos os braços!  A ilha tem seus mistérios, se gostas de mistérios... e também de problemas, vá para uma ilha deserta.
— Desculpe -me! O quê disseste?
Morgana acomodou as costas no espaldar da cadeira.
— Sinto-me um caranguejo ermitão levando sobre as costas a  pesada concha de uma ostra. Carrego peso que não é meu. Carrego entulhos acumulados na mochila, que precisam ser jogados no lixo.
 
Fez uma pausa como se buscasse força na palavra.

— O dinheiro faz homens ricos, o conhecimento faz homens sábios e a humildade faz grandes homens — dissera Gandhi.
— E nós, como nos sentimos neste contexto?
— Somos  parte do mundo, se estamos mal, tudo em volta adoece. Perde o brilho e a cor descora como folha no outono. Meu mundo sou eu. É em torno do mundo criado por mim mesma   que orbita minha alma.
— Sim. Somos hóspedes do mundo que  construímos.
— Verdade. Agora vamos.  A noite tem pressa de chegar.
 

 
 ***

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Trecho de "Estrela que o vento soprou."