Conversa de Bar

– Eu tava pensando numa coisa, Jorge...

– Quantos copos, Rico? Quando tu vem com esse papo de “eu tava pensando numa coisa, Jorge...” é que a bebida tá começando a subir...

– Nem vem, Jorge! É sobre a história que eu tô escrevendo...

– Tá!? Tem certeza? Faz uns três meses já que eu ouço tu dizer que tá escrevendo, que vai escrever, por causa disso, por causa daquilo, por que não sei mais o quê...

– Tá, mas também não dá pra escrever sem ter uma idéia.

– E agora, tu tem essa idéia?

– Então, era o que eu tava tentando dizer agora há pouco.

– E que idéia é essa? Garçom, mais uma!

– Um diálogo. Imagina contar toda uma história num diálogo... sem narrador.

– Com certeza não dá. Tu tem que ter um narrador. A professora do primário já dizia: “é uma narrativa, por que tem narrador.”

– Não precisa, Jorge. Duas pessoas conversando... Não, garçom, a gente pediu a mesma, cara...

– Desculpa, eu já trago.

– Tá, onde eu tava mesmo? Ah! Duas pessoas conversando podem dispensar um narrador.

– Será!? Volta e meia um dos dois personagens teria que se tornar um pouco narrador...

– Por quê?

– Pensa comigo, Rico. Duas pessoas, quando conversam, normalmente às vezes contam coisas que lhes aconteceram, como quando eu te contei do meu caso com a Laís...

– Mesmo assim, isso não seria narrar a história. Mas seriam histórias dentro da história que não está sendo narrada. E não só isso, Jorge. Tem horas nas nossas conversas que a gente não conta história nenhuma. Ela se desenvolve sem a gente precisar narrar.

– É... pelo visto se a gente não narra... Ô, garçom! E a cerva?

– Só um momento, senhor!

– E aí, senhor, foi bom pra você?

– Nem vem com essa, Rico!

– Ainda tá grilado com a Lurdinha, né? Aliás, reparou que seus rolos é tudo com a letra ele? Lurdinha, Laís, Luísa, Lia...

– Bom, espero que a próxima, mesmo que seja uma Lavínia, não fique me chamando de senhor na cama...

– Devia ser brochante, né?

– Ô...

– Fila da puta!!!

– Nossa, que foi isso!?

– Aquele cara aí da outra mesa...

– Credo, pra que esse grito de matar defunto?

– Truco.

– Ah...

– Aqui, senhores, desculpa a demora.

– Tá, valeu meu chapa.

– Lembra do Chapinha?

– Cara! Tu desenterrou um, agora... Nunca mais vi o Chapinha... Danilo, né?

– É, acho que é. Ele e o Hélio não iam abrir um bar?

– Será que abriram?

– Pois é, tá aí... Eu acho que eu tenho o telefone do Hélio, ainda. Vou ligar pra ele e perguntar.

– Quem sabe a gente não arruma umas cervas mais em conta...

– Nem me fale. Aqui anda meio careiro, ultimamente.

– Não, e o atendimento? Só piora. Que é que adianta chamar o cliente de senhor e demorar o tempo que demora?

– E o cara ainda traz uma outra cerva... Pô, nem apontando a marca pro cara trazer igual...

– Vai ver o cara é míope e tem vergonha de usar óculos.

– Mas tem lente, pra quê, pô?

– Putz, quase meia noite! Tenho que ir!

– Ué? Por quê?

– Tô sem carro, lembra?

– Nossa, é mesmo! Melhor tu se mandar...

– Pra você é fácil, mora do lado do bar... Falou!

– Escuta, mas e o tal livro?

– Livro!?

– É. Esse que tu disse que vai escrever, ou tá escrevendo, não sei.

– Ah... Tá. Não é um livro. É só uma história.

– Tá. E a história?

– Mudei de idéia. Dá não.

– Não vai escrever?

– Não, narrativa sem narrador até é possível. Mas é que uma conversa entre dois narradores seria muito, mas muito mais interessante.

David Scortecci
Enviado por David Scortecci em 25/10/2005
Código do texto: T63287