Golias

– Não, Duda... Só pode ter sido aquele molequinho de boné, né... Tá lembrado, né?! Aquele... mais espevitado, que até a professora do moleque, né, quando chegou no Museu, né, segurou firme no pulso dele, né... e daí devolveu o moleque pra fila, né...

– Tá, Cris... Eu quero fatos, não suposições. Na hora que os ossos caíram, onde você tava e o que tava fazendo?

– Não, Duda... Eu tava naquele, né, sabe, aquela hora que eu mostro os homens da caverna, né, e digo que eles não viveram com os grandalhões, né, os dinossauros aí... Daí, eu só ouvi o barulho, sabe...? Parecia até que o teto tava caindo, me assustei, Duda, deu medo, né? Quando me virei, eu vi os ossos do bicho no chão, né... E eu tô dizendo, Duda, do lado dos ossos, adivinha... o moleque, o de boné... Eu sabia que ele ia aprontar... Notei assim que ele entrou no Museu...

– Tinha mais alguém junto, além do tal moleque?

– É... Até que tinha, Duda... Umas meninas... Uma moreninha, cabelo curto, e uma outra de trancinhas... Ah... mas você sabe, né...? Menina não ia fazer uma molecagem dessas... Não, menina, não... Só pode ter sido o moleque... Tô te falando, Duda... vai por mim...

– Sei lá, Cris, hoje em dia... Faz o seguinte: me chama a professora da molecada aqui. Quero fazer umas perguntinhas pra ela também.

– Tá, vou chamar... Mas, Duda, cuidado com o moleque, não vai logo acreditando nele, não. Com essas pestes tem que ter muito cuidado...

– Cris...!

Cristina já se cansou de trabalhar no Museu. Vai fazer dez anos. Ela não agüenta mais. Só que, de certa forma, foi se conformando. Afinal, na cabeça dela, sempre vinha a frase: “Só pode ser porque Deus não quer, mesmo...” E leva isso tão a sério, que nem seu último namoro, que terminou sem um motivo aparente, ela contestou. E agora, aquilo. Um dos pestes, como ela costuma chamar os alunos de excursão, resolveu derrubar uma das ossadas. Além do mais, era muito provável que o Professor Dr. Gilmar ainda fosse solicitar a ajuda dela para remontar a criatura. Às vezes, Cristina ficava admirando esses gigantes e pensando em como eles deixaram de existir. Eram tão imponentes, tão poderosos, e no fim, acabaram desaparecendo e dando lugar aos pequenos, os mamíferos, que assim como o Davi da Bíblia, foram mais fortes que os Golias.

– Professora, o seu Eduardo gostaria de lhe fazer umas perguntas.

– Ah... claro...

Débora estava preocupada com a situação. Eles nunca tinham aprontado e agora... Com certeza, ouviria, e muito, da dona Mirtes, a diretora da escola.

– Oi, professora. A senhora viu alguma coisa?

– Olha, seu Eduardo, pode até parecer que eu esteja tentando protegê-los, mas não é isso não, viu!? Eles são uns amores, verdadeiros anjinhos em matéria de comportamento... Seriam incapazes de uma malandragem dessas. Tenho certeza que não foi nenhum deles... Mas, se foi, eu afirmo que não deve ter sido de propósito, tá, por favor... É sério, eu convivo com eles todos os dias... Eles são uns anjinhos...

– Certo, Professora... Mas... Porque a senhora chamou a atenção de um dos seus alunos, um que tá de boné?

– Chamei!? Quando?

– Na hora que a senhora chegou.

– Ah! Você tá dizendo do Levi... Não, é que, bem, na mi-nha época tinha isso não, sabe... aos dez anos a gente não ligava pra isso não... mas hoje em dia... É que o Levi tá de paquera com a Sophia, que eu já percebi. E como ele ia ficar conversando com ela o tempo todo, eu preferi trazer ele mais pra frente... nada de mais...

– E a senhora tava fazendo o que na hora que os ossos caíram?

– Eu tava agachada de costas pros ossos, recolocando a presilha da Bia, que tinha caído... Eu levei um susto muito grande quando ouvi os ossos caírem.

– E quando a senhora se virou, quem eram os alunos próximos dos ossos?

– Deixa eu ver... tinha o Levi... entendi... você acha que pode ter sido ele... Mas eu te digo: ele é um amor de garoto... Jamais faria uma coisa dessas... Mas ele, a Sophia e a Amanda que estavam mais perto dos ossos podem ter visto ou ouvido alguma coisa... Vai com calma com eles, tá!? O Levi é um menino muito querido...

Débora vai buscar o Levi, com uma certa agonia. Levi, realmente, era incapaz de algo como isso. Mas, será que ele de repente não havia feito?

– E aí, tio... Chamou? Ô, fui eu não, viu?!

– Não estou dizendo nada... Só que você tava bem perto... Percebeu ou viu alguma coisa?

– Ô, sei não, tio. Eu tava dando uns chega na Sophia, né... Você sabe... tipo, falar uns lance legal pra ela entrar na nossa... você entende, né? Daí, eu levei o maior susto, assim... Pô, tio, aqueles troços devem pesar pra caralho e... pô... tio, quase cai n’eu e na minha gata, né? Se tivesse caído na Amanda, belê, né, porque aquela bruaca até que merecia umas pancada na cabeça...

– Tá... Mas... Você desconfia de alguém?

– Tá aí, ó... Deve ser o Júnior de novo... Pô, tio, o cara paga o maior pau pra Sophia... que eu tô sabendo... Mas, sabe, né... a gata tá na minha... o mané não tem a menor chance... E, ó, tio, o cara tava do outro lado dos ossos quando a parada veio abaixo... Deve ter sido ele, aí, só pra me complicar...

– Tá, valeu Levi. Você me chama a Sophia pra eu trocar umas palavrinhas com ela também?

Sophia se aproximou meio devagar do guarda, afinal, na cabecinha dela, o guarda devia estar desconfiando dela.

– Seu guarda...

– Oi. Sophia, né?

– É...

– Você viu alguma coisa?

– Não seu guarda, só senti um ventinho, desses ligeiros, assim, e tipo... os ossos tudo caindo, assim, tipo... sem mais nem menos... Quase cai em cima de mim...

– E você desconfia de alguém?

– Não ia dizer não, mas o Júnior tava do outro lado, assim, tipo... teve uma vez na escola que o Júnior furou a bola de vôlei, que eu vi, e como o Levi tinha usado por último acabou levando a culpa... ele odeia o Levi... vai ver foi pra sacanear, sabe, tipo assim... mas eu não disse nada, não... viu!?

– Chama o Júnior aqui...

Quando Júnior viu Sophia se aproximando dele, ao mesmo tempo que ficou feliz de poder ouvir a voz dela e poder vê-la mais de perto, sentiu um calafrio. Será que o guarda estaria achando que tinha sido ele? Mas não havia sido ele...

– Júnior, você viu alguma coisa estranha na hora que os ossos caíram?

– Pô, pega leve... E é Diogo. A galera que fica nessa de Júnior, pô... Tudo culpa da professora que me chama assim... Pô, cara, maior mico chamar Júnior...

– Ok, Diogo... Você viu alguma coisa estranha?

– Eu até queria dizer que tinha sido o idiota do Levi, mas não foi não... Eu tava olhando pra ele, quer dizer... pra Sophia... mas o babaca tava perto, né... Não tinha, assim, tipo, como eu não ficar olhando pro imbecil também. Eles não foram. Vai ver foi a Amanda... Aquela songa-monga é a maior desastrada, assim... tipo, deve ter sido ela...

– Sem conclusões, Diogo... Deixa eu falar com a Amanda...

Amanda aponta para si mesma, como se o fato de a terem chamado fosse alguma surpresa.

– Fala Eduardo. É Eduardo, né?

– É... é sim... Mas, é o seguinte...

– Posso te chamar de Edu? É mais bonitinho... Você não se importa, né, Edu?

– Anjinho... isso não importa... Só quero que você me diga se você viu alguma coisa estranha...

– Vi não. Eu tava só ouvindo o papo do Levi, ele é tão fofinho... Se bem, Edu, que você é mais...

– Eu posso ser seu pai, menina, se comporte!

– Desculpa, Edu... Mas eu não estava prestando muita atenção, assim. Só vi quando os ossos caíram... Mas, ah, Edu, pára com esse papo chato...

– Menina! Chama a tua professora aqui. Preciso falar com ela de novo.

Eduardo pensou em tentar convencer a professora a conversar com seus alunos para tentar obter informações melhores do que as que ele conseguira. Enquanto pensava nisso, virou a cabeça em direção aos ossos esparramados e viu um garoto, de cerca de cinco anos de idade, que com certeza não fazia parte da excursão escolar, agachado, como se estivesse procurando algo.

– Hei, menino! O que é que você tá fazendo?

Ou o garoto não ouviu, ou fingiu não ter ouvido, porque continuou na mesma posição. Eduardo foi se aproximando, mas antes que ele chegasse mais perto, o garoto se levantou e gritou:

– Achei!!

– O quê!? O que foi que você achou!?

– A bolinha de gude que eu joguei pra matar o monstro...

David Scortecci
Enviado por David Scortecci em 25/10/2005
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