Aleluia!!

“Eu me coloco em chamas, e o povo vem para me ver queimar”.

John Wesley

Experimentavam o entusiasmo completo do espírito. Louvavam e batiam palmas seguindo um ritmo que balançava toda a igreja. Os dois jovens viçosos que encheriam, mais tarde, uma espaçosa cama, estavam de olhos úmidos e lábios folhudos cantando e enchendo de júbilo seus alquebrados corações. O pastor preconizava:

-Ele veio para que todos tenham vida!

À frente do casal feliz, no envernizado banco de jacarandá, uma senhora de meia idade e um idoso empertigado acompanhavam com os pés o coro com suas vozes de contralto enternecidas. E havia outros. E todos cantavam cadenciadamente. Amavam aquele momento bem mais do que se amavam. E o pregador proferia:

-Vejam as aves do céu! Ninguém se veste como elas!

E em meio à glórias, sermões e louvores ouvia-se o solitário tritrilar de um grilo verde-musgo. Estava no encosto do banco e pulou coagido por uma desapiedada mão. Parou no chão, sem tritrilar, junto aos pés do atento ancião. Este configurou um semblante que não faria diante do espelho. Olhando ao redor, levantou um pouco a sola, mirou e deixou cair o peso do pé sobre o inseto. Pisou no vazio enquanto no púlpito o evangelizador bradava:

-Todas as coisas no céu e na terra se reúnem no Senhor!

O grilo quedou-se no corredor da igreja, onde quase ficou para sempre. Foi salvo por um puxão na camisa. A mãe de um adolescente conseguiu, num gesto heroico e isolado, evitar o extermínio. O bicho pulou cada vez mais lindo porque mais necessário. Parou, limpando as patinhas no cortinado do altar. E o apóstolo rematava:

-Ele é bom para todos e a sua misericórdia está sobre todas as suas criaturas.

As crianças da primeira fila viram o animalzinho ficar de pé nas patinhas traseiras. Viram quando ele levantou as patinhas dianteiras e parecia louvar com os fiéis. Também viram quando o grilo deu um salto gigantesco na direção do infinito lá fora. Todos sabiam onde ele estava: no pé de laranja do pátio se enamorando das cigarras. O pastor concluía:

-Aquele que deseja reunir a todos nós, como uma mãe aos filhos, deseja-lhes boa noite!

No outro dia cedo, quando um casal de amigos veio limpar o pátio, deparou-se com uma cena incomum e curiosa. Sobre a maçaneta da porta de entrada o grilo intrépido parecia abrir os bracinhos, desejando-lhes uma boa manhã. De dentro de seus olhos compostos o grilo viu quando eles se apaixonaram bem ali na sua frente.

-Toda a sua obra é boa e bela...

Recolhido o lixo da noite anterior, molhada a grama do jardim e verificada a correspondência, foram para os fundos da igreja onde trocaram discretos abraços e tímidos beijos. Por fim, atentos ao relógio saíram com o coração na ponta dos dedos. Na pressa, nem repararam no bem-te-vi que fazia de um certo grilo verde-musgo a sua primeira refeição do dia.

make
Enviado por make em 08/05/2018
Reeditado em 08/05/2018
Código do texto: T6330438
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