AMARELO BANANA E TUDO MAIS

Meu coração estava partido havia uns nove meses. Resolvi que era hora de sair disso

Eu não trabalhava e nem coloquei o pé pra fora de casa esse tempo todo. Vivi de uns freelances e só saia pra ir ao mercado e ao café que eu gosto.

Daí teve esse encontro na casa de um amigo meu, o Henrique Albert. Ele é o tipo de cara que gosta de promover uns churrascos pra reunir a galera que fumava maconha junta atrás da quadra da escola no ensino médio.

Eu nunca fui muito "Das dorga" como a galera chama, nunca fui "nóia". Fumo maconha casualmente. Nos finais de semana quando a hora não passa, eu gosto de queimar um Beck, admito. Mas que pecado tem nisso, né não?

Bem, daí teve esse encontro. O Henrique Albert me ligou as 15:40 no sábado. Eu já tinha acabado de tomar a minha cerveja e já estava deitado vendo Netflix e esperando o sono pós breja. Eu tentei dar uma desculpa, mas o cara já me manjava faz tempo.

- Não parça. Cê vai colar aqui e vai se divertir um pouco. Todo mundo vai tá aqui.

Ele acabou me convencendo, com todo aquele papo de círculo de amizades e de eu ter que sair porque "As coisas não são bem assim e eu não vou posso me entregar".

No caminho, que fiz a pé. Logo após passar no mercado pra comprar algumas Heinekens, picanha em cubinhos e 2 kg de coração de galinha, eu fico me perguntando na rua o que o Henrique quis dizer. Não interpreto muito bem essas coisas voltadas pra relações humanas. Só sei que meu coração está partido e hoje é um daqueles dias frios, onde você se veste bem, as pessoas na rua sorriem pra você mas você continua sentindo aquele vazio estranho enquanto olha pro céu azul.

Cheguei na casa do Henrique, já vi gente estranha na porta. Pessoas que eu não conheço. Um grupo. Um rapaz de cabelo pretos, vestido uma blusa do R.E.M, uma garotata de cabelos curtinhos loiros e uma garota alta e meio gordinha de cabelos pretos e um sobretudo cinza. Passei por eles fazendo um leve gesto de cumprimento com a cabeça e entrei. Achei a mesa de drinques antes de achar qualquer conhecido, como conhecia a bebida, já fui com ela. Abri uma cerveja Original e fui pra um canto. Um Brother com piercing na boca chegou com os olhos vermelhos e perguntou "Essa carne é pra levar lá, amigão?" Apontando pro meu saco de carne. Olhei pra cara dele, fiz cara de nada e falei que sim, mas na minha mente foi tipo" Não, é pra enfiar no calor do teu cu pra ver se assa, filha da puta. Tira esse arame farpado da cara, seu animal". Tomeii um gole de cerveja.

O Henrique apareceu quando eu estava já na terceira cerveja. Me abraçou, me deu beijo no rosto e me levou pro outro lado da casa. Tinha bastante gente lá. A sala de estar e o quantal dos fundos estavam cheios.

Ganhei um abraço da Bia, uma garota que estudou com a gente. Troquei uma ideia com o Rafa, ele que levava maconha pra gente na escola. Hoje em dia trabalha nos correios.

Vejo a garota do sobretudo cinza ir até Henrique que está perto da churrasqueira. Ela cochicha algo no ouvido dele e os dois saem juntos até a parte da frente da casa. Eles voltam uns quinze minutos depois. O Henrique vem até mim e pergunta se estou passando bem. Falo que estou meio alto e ele me estende uma banana de um monte perto da churrasqueira "Isso vai te fazer ficar melhor." Ele diz.

Começo a falar com a moça do sobretudo cinza e ela me fala que também está na mesma situação que eu (de coração partido). O nome dela é Diana. Ela terminou com o namorado há uns dez meses e afirma que depois disso passou a "Cuidar mais de si mesma".

- Como?- Eu pergunto.

Ela sorri de um jeito malicioso e me pega pela mão. Ainda estou alto, mas a banana realmente ajudou.

Ela me arrasta do quintal pra dentro da sala e da sala nós subimos as escadas. Logo imagino que vai rolar algo "Tomara que ela tenha preservativos" Penso comigo.

Nós entramos num dos quartos e ela vai revirar uma mochila, tira de lá um saquinho com uma quantidade razoável de quadradinhos de papel coloridos. Vem até mim, tira um dos papeizinhos do saquinho com a ponta dos dedos e me estende.

- Coloca embaixo da língua.- Ela fala, agora com um ar sério.

- Isso é LSD?

- Toma logo, garoto. Foi o Henrique que mandou te dar.

Eu coloco o papel na língua, tem um gosto levemente cítrico.

Passam uns dez minutos e eu começo sentir os primeiros efeitos. Sinto as luzes do quarto ficando mais fortes, olho pra janela e ela se projeta num raio de luz sobre mim e a partir desse momento eu já não estou mais no mundo real.

Vejo um quadro, tento assimilar de onde é. Algo na minha mente me diz que é o quadro da sala da casa do Henrique. O rio no quadro se projeta pra fora dele e começa a se espalhar pela sala. As pessoas lã parecem não ligar pra isso. Vejo as aves do quadro voando em círculos pelo teto que se eleva pro alto, o lustre da sala balança e pisca e os pássaros começam a cantar e rodopiar em torno dele.

Vejo as bananas da mesa, agora não são mais amarelas. São roxas e as vezes mudam pra um tom azul.

Me vejo de dentro da churrasqueira. Como se eu fosse a carne que está assando ali. Me coloco na minha boca.

"Amarelo banana e tudo mais". Ouço alguém dizer.

Vejo rostos sobre mim e alguns deles riem.

"Minha vida está destruída." Penso já meio angustiado.

Estou no mercado. As garrafas de Heineken se distorcem e algumas explodem na minha frente. Tento falar isso pra alguém mas minha voz não sai.

Olho no celular e marca 02:47. Olho pela janela, é a janela do banheiro, está escuro.

Agora tenho controle das minhas ações, começo a me recompor no chão. Sinto cheiro de mijo misturado com algum produto de limpeza. Coloco minhas mãos em algo molhado, logo percebi que é meu vômito. Me tateio com as mãos sujas e sinto que estou com as minhas roupas, ao menos uma parte delas, não encontro minha blusa.

Vou ao andar de baixo e a sala está clara. Mas somente o Henrique Albert, Diana estão ali.

- Ele acordou.- Henrique vem até mim com os braços abertos e me abraça.- Você ficou bem louco. Começou a falar um monte de baboseira, falou que as bananas estavam roxas.

- Falou que tinha saído pelado na rua. Que viu garrafa explodir no mercado.- Diana falou enquanto acendia um cigarro.

- O que eu fiz?- Pergunto meio com medo de saber a resposta.

- Você ficou andando pela casa e apontando pros quadros. Daí foi lá fora e quase meteu a cara na churrasqueira. Daí achamos melhor de deixar lá no quarto.

Henrique pega o meu celular e me mostrou as mensagens.

MENSAGENS:

- Cara, eu dropei um papel e tô preocupado. Não sei onde eu tô, me ajuda irmão. Tem tubarões aqui.

- Cara, você tá no meu quarto. Destranca essa porta pra gente poder te ajudar.

- Daí você ficou quieto e nós deixamos

- Eu vomitei no seu banheiro, cara.

- Ahhh isso sempre acontece quando volta. Relaxa..

Eu esfrego meu rosto e me sento no chão em frente ao sofá. Diana me estende uma cerveja.

- Eu não fiz nada mesmo?- Pergunto abrindo a cerveja.

- O máximo que você fez foi jogar algumas bananas por cima do muro, caíram no quintal do vizinho e o cachorro dele comeu.- Henrique fala dando risada.

- Meu Deus. Eu tinha certeza que ouvi alguém me chamar de dentro do armário.

- Era o bicho papão. -Diana diz a ri.- Foi a primeira vez que dropou?

- Primeira e última. Ainda tô atordoado e meio flutuante.

- Vai ficar assim até o resto da noite. É melhor você dormir aqui.- Diz Henrique.

Acordo no outro dia com uma coberta de veludo em cima de mim, estou no sofá da sala. Vejo o teto girar com uma forma que parece um floco de neve, sacudi cabeça e passou. Fui ate a cozinha e tomei o café da manhã com Henrique e Diana, depois ajudei eles a arrumarem a casa e limpei o vômito do chão do banheiro.