A espera

Perto, ficava a Estação Rodoviária. Esporadicamente, magotes de passageiros desciam a rampa calçada e despareciam com suas malas e valises. À noite, a luz mortiça projetava sombras densas nos semblantes que trafegavam pela rampa. Taxistas abordavam os viajantes, ofereciam corridas.

Lá adiante havia a BR, que cortava o perímetro urbano. Ônibus, carretas, utilitários, automóveis, vans e incontáveis motocicletas passavam, velozes. Viam-na pela rua paralela. Daí os veículos vistos de relance. Quando escurecia a luz alaranjada dos postes se refletia, num átimo, sobre os capôs.

E eles ali. A cerveja ia pela metade, esquentava nos copos americanos. Restos de linguiça, salada vinagrete e farofa descansavam nos pratos, entre os talheres.

- Esfriou um pouco. Mas estava quente de tarde – comentou o negro calvo. Não obteve resposta.

No restaurante havia prateleiras de vidro com amplo estoque de bebidas. A cachaça variada do sertão, do norte de Minas; vinho barato, intragável, conhaques populares; a vodca e o gim que invocavam terras geladas nos trópicos tórridos. Muito uísque, mesmo o barato, porque aquilo agradava a freguesia. Dava sensação de fartura, de riqueza.

Canções se sucediam, estridentes. Forrós antigos. Alusões ao sertão agreste, que ficava mais acima, ao norte. O de barba ruiva, rala, de cabelo rente, acariciou o rosto com um gesto amplo. Filosofou:

- Só lembro de Marlene. Lá de Peritoró. Cantava muito isso. Peritoró, lá no Maranhão – explicou e invocou, com o olhar perdido, dias distantes.

Garçons, trajando camisetas, iam e vinham, com espetos fornidos com carne, frango, linguiça, porco, bode. A fumaça gordurosa dos fogareiros subia, ganhava a noite de estrelas pálidas. A luz citadina embaçava as estrelas.

- É chão aquela BR 316 – comentou o negro, abrindo muito os olhos para reforçar o comentário. Vestiam blusões jeans, surrados.

Silenciaram.

Depois notaram o sujeito que se aproximava. Branco, baixo, bem vestido, meia-idade. Agasalho fino, de grife. Valise preta, tamanho médio. Sentou numa mesa no bar ali ao lado, mas bem perto deles. Acomodou a valise junto ao sapato preto, lustroso. O gesto discreto mobilizou o garçom.

- Um conhaque.

Pediu e bebeu com prazer. Depois se informou sobre refeição. Escolheu, sem entusiasmo, o prato feito de frango na brasa. Decidiu encarar uma cerveja.

Discretos, examinavam o recém-chegado. Era ele. Fortaleceram a convicção quando o sujeito ficou distraído, examinando a cobertura de zinco na calçada do bar. O ruivo, concupiscente, examinava a valise. Colheu um olhar de reprovação do parceiro. Distraiu-se por instantes examinando as prostitutas que se ofereciam ali perto.

O visitante esvaziou o prato com garfadas vorazes. Restou a carcaça pálida do frango. A cerveja já ia pela metade. Foi logo pedindo a conta, da carteira nova e bojuda saltou uma cédula de cem. Prudente, enfiou o troco no bolso do agasalho.

Aguardavam. O aço incomodava dentro dos blusões jeans. Começou a cair uma garoa finíssima. O vento esfriou.

O visitante deixou meio copo de cerveja. Examinou as cercanias, foi se afastando com passos cautelosos na direção oposta à da rodoviária. Três quarteirões adiante havia hotéis decentes, para viajantes cansados.

Tensos, fulminavam-no com dois pares de olhares. Afastava-se, costas ligeiramente curvas. Por fim, dobrou a primeira esquina e desapareceu. Como se nunca tivesse existido.

- Vamos – comandou o ruivo.

Elétricos, levantaram. Naquele momento, uma coruja sobrevoou o quarteirão e piou.

Em instantes, um tiro e um grito estilhaçariam o silêncio nervoso da rua.