Ziguezagueando 26

Não havia se arrependido de pedir um filho a ele, não quis dar o golpe da barriga. De maneira alguma! Era realizada como mãe, Merlinda, lembrava Jovita somente por existir, que havia mais que deserto nesta vida, a possibilidade daqui ter campo para o amor, não somente guerra, injustiça, ódio. A filha foi o elixir que calibrou Jovita a não enlouquecer, desistir do jogo nefasto, cruel e injusto que a vida lhe impôs.

Mas o diálogo subjetivo que Hugo desafiou Jovita ter consigo quando estavam juntos, pô-la diante de um outro portal, que não dava limites. Sentia completa, demasiadamente completa, que trazia para o emocional a mulher que ganhava mundo e mares dentro, em cada beijo e abraço que comungava com o homem eleito.

Havia desperto, junto a tanto, o ímpeto para querer gerar outra vida. Talvez passou intencionar dialogar neste estado numa intimidade mais profunda e irrevelada com Deus. Não tinha mais limites. A grandeza foi tanta em felicidade, a experiência subjetiva com Hugo, que indicava poder estar querendo se apresentar diante do Insondável como uma oferta, ficar a sua disposição para se ver concebida do amante, e em contrapartida, recebesse algo permanente e seguro sob sua tutela e cuidado, que serviria como presente, e ao mesmo tempo, para nunca esquecer da completude interna que recebeu, o encampamento integral da vida por intermédio dele, mesmo que não ficasse.

Hugo lembrava muito, na aparente vida mórbida que levava, tanto antes de conhecer Jovita, como depois, e da chegada do segundo encontro com ela, que indicava ter tendências e mazelas subjetivas parecidas com a do protagonista Reynolds Woodcock, no Filme, Trama Fantasma.

A vida solitária, aquela que trazia ele para ele, sem testemunha, seja em seu quarto, vez outra, na sala de estudos degustando um cálice de uísque, compenetrado em seus próprios pensamentos insolúveis, aqueles da insatisfação com a vida, deixava-o com a expressão de moribundo, ideias pairando na efervescência do silêncio, que emudeciam sua tez, iluminado pela luz tênue do lugar. Havia uma beleza máscula, desperdiçada pelo ofuscar da infelicidade que brotava do seu interior.

Continuava entre os atendimentos aos seus pacientes, a grande maioria da classe média e média alta da cidade de seu domicílio, às crianças carentes da periferia, semestralmente, ministrando aulas na Universidade Local.

Exímio profissional, respeitado pelos seus consortes de profissão, solicitado pela multidão de pacientes que o procurava diariamente. Nos últimos tempos, não havia mais espaço na agenda. Em contrapartida, não saia mais a noite nem ao menos para assistir a alguma peça de teatro, orquestra e coisa e tal. Passou dormir somente sob o efeito do álcool.

O filme passa em Londres na década de 50, de um estilista famoso que vestia a elite francesa, incluindo a realeza, trabalhava com a irmâ. Conhece uma balconista, Alma, que passa ser sua musa e amante. O enredo é recheado da inter-relação do poder e subordinação, em um relacionamento tóxico, maquiado de aparente sentimento de amor compartilhado.

Os personagens do filme, tanto o casal de “amantes”, quanto a irmâ do estilista, participam da hipocrisia nas relações. Seres que lutam para serem felizes, psicologicamente destruídos e infelizes.

Hugo entrou em crise intensiva na solidão eleita, revoltou-se consigo diante da possibilidade de estar arriscando entrar em outro relacionamento, e comprovar novamente que nunca foi para isto, ter companhia, submeter-se a compartilhar afeto e deveres da moral e ética escolhidas para homens e mulheres manter um relacionamento a dois.

Sentiu que Jovita tinha caído na dele, ela, indiscutivelmente o preencheu porque alcançou sua psique no melhor e pior, passeou em meio a estratégia subjetiva que tinha escolhido para ser sozinho.

Quando esteve com Jovita, viu pelos olhos dela, que assistia todas as mancadas que tinha dentro para ser sozinho, mas o admirava, o queria para ela, descompromissadamente.

As conclusões de que Jovita o encontrou em suas camadas mais profundas, foi deixando Hugo quase as margens da loucura, não era sozinho mais.

Para sanar esta doença, da necessidade da presença compartilhada dela para ser si mesmo, fragilizou a vontade de ser amigo da solidão, queria vê-la, senti-la, devorá-la pelos abraços e beijos, para novamente ser inteiro.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 30/06/2018
Código do texto: T6378235
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