E Agora, José?

Definitivamente não sei!

Esta pergunta me pegou desprevenido. E justamente em um dia comum como todos os outros veio uma pergunta dessas.

Acordei, como sempre, às sete e cinco da manhã com o despertador tocando rock. Depois que eu descobri a rádio que faz isso a essa hora da manhã, não troquei mais. Ela é excelente. Tem uma que toca música clássica, mas essa, sempre que eu a ouvia, eu acabava dormindo mais uns trinta minutos, que é o tempo que leva pro locutor resolver falar alguma coisa. Depois passei a utilizar uma que tocava MPB. Eu acordava na hora, mas continuava na cama, me deliciando com a música. Caipira, eu não gosto, me deixa mal humorado. Agora não, eu consigo ouvir uma música de que gosto e levanto, porque rock não é música pra dormir ou simplesmente ficar na cama apreciando.

Às sete e dez eu entrei no banho e sempre começo lavando a cabeça primeiro. Minha irmã me indicou um xampu de maçã verde que é muito bom. Meu cabelo sempre ficava oleoso, mas agora não. Depois, como sempre, lavei o resto do corpo com um sabão neutro.

Sem me atrasar, às sete e vinte e cinco sentei-me pra tomar o café-da-manhã. Meu cardápio matinal nunca muda: suco de laranja, ovo quente, duas torradas com pouca manteiga, leite com chocolate e uma fatia de mamão. A empregada aprendeu direitinho.

Às sete e quarenta terminei de escovar os dentes e desci pra garagem. Tem dias que me adianto, então me sento em frente ao relógio até que dê a hora certa. É que se eu sair um pouco mais cedo posso pegar um certo trânsito e acabar chegando atrasado no serviço. Esse emprego é muito bom. Não me exige muito e eu ganho o suficiente pra viver tranqüilo. Minha noiva me disse pra pedir aumento, afinal eu trabalho já há tanto tempo lá. Mas eu sempre digo que não, porque eu conheço meu chefe, e mesmo eu sendo funcionário antigo, sei que ele é capaz de me mandar embora, sem pestanejar.

Cinco pras oito eu cheguei no serviço e por hábito fui até a cafeteira e tomei o meu de sempre: café forte sem açúcar e dois biscoitinhos de aveia. Trabalhei sem problemas a manhã toda. O que faço sempre são alguns despachos e contratos de aluguéis, nada muito diferente do que eu fazia no antigo emprego. Creio que basicamente o que difere é o fato de ser o escritório mais perto de casa.

Ao meio-dia em ponto fui com meu eterno companheiro de almoço, o Joca, pro restaurante perto da imobiliária. É bom comer nele, porque eu já conheço os donos e os garçons, então quase nunca, a não ser quando quero (raro), preciso pedir.

Ao meio-dia e cinqüenta e cinco eu e o Joca fomos no shopping passear pra fazer a digestão e como sempre paquerar um pouco. Sempre torço pra minha noiva não aparecer por ali, senão posso ter problemas. Eu a conheci nos meus passeios habituais de fim-de-semana no parque. Se bem que sempre que chove eu alugo um filme e fico em casa. Prefiro os filmes antigos. Já revi vários. Ela andava de bicicleta e eu ficava admirando-a. Um mês depois começamos o namoro e um ano mais tarde noivamos.

Às duas da tarde retornei ao trabalho e fiz praticamente a mesma coisa que de manhã. Só fiz a paradinha, que não pode faltar, das quatro e quinze, quando tomei mais um café forte sem açúcar e dois biscoitinhos de aveia.

Às seis e vinte saí do serviço, peguei meu carro e fui até a padaria do meu já amigo Teodoro, que conhece as minhas preferências e sempre me providencia dois pães-de-sal fresquinhos e uma rosquinha de doce-de-leite.

Às sete fingi surpresa por encontrar minha noiva em casa com um lindo sorriso no rosto, como faz todo dia a essa mesma hora. Ela sempre chega antes de mim, arruma a mesa pra dois e liga a TV fazendo de conta que não está apreensiva com a minha chegada. Se bem que nem precisava ficar apreensiva, porque eu nunca cheguei atrasado.

E aí, a pergunta...

Ela vem e me diz que não recebeu ainda e que isso não vai acontecer antes do próximo mês porque o governo se atrasou de novo. E o que fazer agora que a viagem que a gente sempre sonhou fazer junto vai ter que ser adiado pra uma data indefinida.

E agora, José? E agora?

David Scortecci
Enviado por David Scortecci em 26/10/2005
Código do texto: T63810