Ziguezagueando 28

Naquele shopping, com cinquenta anos, Jovita não estava ilesa dos encontros e impressões trocadas com o masculino. Quando deparou com João na praça da alimentação, atacando-a com o olhar de caça, para, depois, tendo o terreno limpo no elevador, lhe roubado um beijo, foi como ser picada por uma abelha sem ferrão, mordida de felino sem dentição e presa, cobra sem veneno.

Tinha vivido o amor com Hugo, estava numa relação aberta com ele há mais de quinze anos, consentida. Mesmo assim, era somente dele desde o primeiro dia que o conheceu. Não tinha mais necessidade da busca de prazer, afeto com outro homem. Havia explorado o próprio interior com ele, não existia mais escuro em si, espaço que pudesse querer ser completada.

Desde conhecido Hugo, Jovita tinha encontros ritmados com ele, como pendulo do relógio, contatos da Lua e do Sol, demonstrado pelo reflexo deste naquela, indicando quando ocorre Lua minguante, cheia, nova, crescente, pelo reflexo artístico do Senhor da Galáxia nela.

João era perfeito de corpo, portava beleza e masculinidade, mas não a convencia para assumir aventuras. Desde a primeira impressão, inclusive depois do beijo no elevador, concluiu que era homem para emergências de afeto, estilo comida fast food, de consumo rápido, e necessidades repentinas.Tinha se incorporado na alma de Hugo, sem abrir mão do colorido da sua identidade primeira.

Tornou-se uma natureza hibrida, um pouco dele, vítima do entrelaçamento quântico. Completa. Não encontrava palavras que a traduzisse, quando pensava numa significação de si para si, somente via sentido quando depois do se acabar junto dele no beijos e abraços, se diluia no silêncio, nos braços do homem de sua vida.

Não tinha ele todo dia, talvez não necessitava, assim como Hugo, pode ter aprendido viver só, não abrindo mão da prerrogativa.

Talvez, ainda, numa subjetividade mais profunda, não havia encontrado conexão segura com ele, que pudesse se ver garantida da privacidade e autonomia em última instância, que ainda considerava escrutínio secreto, inviolável. Aquele canto que era permitido a si mesma ser santa ou rebelada, culpada ou inocente, derrotada ou vitoriosa, a verdadeira peregrina, arena que não queria plateia, observador, julgador em potencial. Mundo que sempre lhe permitiu cair e levantar, sem testemunhas, era senhora dele, somente ela. Talvez precisava disto como garantia, caso tudo falhasse.

Afinal, do pó nasceu...ao pó iria retornar. Só.

Com ciquenta anos, era avó, Merlinda lhe deu um neto, Bruno. Soraia e Martinez eram adolescentes. Desde a gravidez dos gêmeos, foi agraciada com a vinda de uma prima da terra do nascimento de sua mãe, passou morar consigo e as crianças, ajudava nos cuidados da casa e com os filhos.

Dona Zirá havia despedido deste mundo cedo, morreu aos sessenta nos, sofreu acidente enquanto caminhava na praia, ciclista havia colidido consigo, sem prestar socorro. Sofreu hemorragia interna, entrou em coma, e não acordou mais. Foi-se a referência de identidade e mulher de Jovita, fechou a cortina para vida antes do tempo, deixando o palco a meia luz.

Tornou-se uma incógnita depois de Hugo, juntou-se a ele, não cabia mais um, excederia se tentasse.

Apesar de achar outro homem bonito, encantar-se com as beldades deste gênero, gerando até um calor em si quando do contato pela visão, como foi com João, era sensação que logo se esvaia, faltava lastro.

Hugo, sempre estava em sua mente para fazer o paralelismo, não havia páreo para outro sucedê-lo, somente de pensar, levava a mente ao azedume, tornando outro dispensável, preterível.

Tinha definitivamente feito a integração do masculino em si. Indicava que poderia morrer um dia resolvida no tema.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 04/07/2018
Código do texto: T6381183
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