Minha mãe ama Charles Bukowski

Todos temos alguma coisa ou algum momento na vida que queremos esquecer, estou doido para escrever essa estória, nem sei bem porque, talvez para que ela sai da minha cabeça vá para o papel e fique presa lá, ou para ler e alguma vezes saltar boas gargalhdas

Sou o Fernando , estou com quarenta e quatro anos, a minha mãe vive, está com uma saúde melhor que a minha e ama os livros de Charles Bukowski, dizia que o escritor era um mago da vida real , que desnuda esse lado masculino que ela tanto quer dominar, sempre que se encontravam ela citava uma frase dele : “Às vezes as coisas são o que apenas parecem ser, sem nada demais”.

Trabalho em uma funerária virtual, você ainda não sabem o que é isso, mas vou explicar, nós enterramos redes sociais, tiramos informações da internet que o cliente não quer mais lá, somos muito bons nisso o problema é que a concorrência está aumentando e não temos mais tanto trabalho.

Viver é a arte de mentir, a arte do auto engano, quando olhamos de frente a vida só encontramos a escuridão e o desânimo, então precisamos criar a nossa fantasia até que ela se despedace de um jeito ou de outro, vivi entro da minha bolha, no meu mundo de mentiras, antes não era assim, tudo começou quando a melhor retificadora de perfis foi contratada e ficou em uma mesa ao meu lado.

Minha mãe dizia:

-Como pode amar desse jeito Fernando? Hoje é direto nos finalmente – minha mãe tinha 95 % da cabeça pesando em sexo ao 73 aos, isso dá um desgosto no filho que só Deus.

Muita gente que vai ler esse texto deve me criticar porque falo como se fosse o espectador da minha própria vida, porém é assim mesmo que e sinto , como disse a minha mãe, eu me esforço para tornar a minha vida uma bela porcaria e que vou ficar sabendo , da pior forma , que amor, como diria Charles Bukowski , é uma coisa dos diabos.

Ana, a melhor retificadora de perfis que já existiu, tinha cabelos castanhos, lisos, face suave, olhos cor de mel, parecia pintada no papel da vida, uma princesa da disney, pele branca , sorriso claro, mãos finas.

Não conseguia me livrar da cara de imbecil na sua presença e me distraia com as palavras saindo de sua boca, não conseguia escutar, toda a minha energia era para me manter em pé diante dela.

-Fernando você está pálido ?

-Comi alguma coisa que não me fez bem.

-Ai meu Deus, não foi alguma coisa do restaurante daqui da frente.

-Não, foi brocolis que a minha mãe trouce da casa do Coroel Dorneles – eu tossi – é o namorado atual da minha mãe.

-O da Tv – ela riu – da vida saudável? Quantos anos tem a sua mãe, ele parece ter uns cinquenta?

-A minha mãe tem 73 – Eu falei com uma vergonha – e o coronel quarenta e nove.

-Que doido – ela riu.

Estávamos juntos quase todos os dias, as mesas eram grudadas, a minha a dela e a do César, por essa proximidade e pelo meu obsessivo olhar para Ana o César desconfiou da minha paixão , falou logo :

-É muita areia para o seu caminhão.

-O quê?

-Tá todo mundo olhando pra Ana, mas você está impróprio, está fando uma carinha de tarado, estou te falando porque sou seu amigo, está na marcação cerrada, pega café pra ela a cada vinte minutos.

Não respondi, passei pelo café todas as tardes naqueles dois meses, só para encontrar com ela, depois ligava pra minha mãe e contava tudo.

-Fernando vem na minha sala – me gritou o meu chefe quando chequei na sala dele e falou com a voz baixa olhando uma folha de papel – tem uma mulher aqui, que está disposta a pagar dois mil para descobrir se o marido dela esta saindo com um travesti, foi uma pessoa anônima que a mandou, recomendou você, disse que era muito bom – no fundo meu chefe sabia que as poucas recomendações que eu recebia eram da minha mãe.

Era outra coisa que a gente fazia, disso não me orgulhava liguei pra minha mãe.

-Mãe, por favor, não manda essas mulheres pra cá, isso é uma funerária virtual, estamos tentando fazer um trabalho sério.

-Não se leva nada a sério na vida, muito menos alguma coisa que vem da internet, mas esse trabalho de achar maridos viados, isso é bom.

-Mãe...Isso é homofobia.

-Não, quando estão no armário são veados patifes.

-Estou apaixonado, se a Ana souber que faço esse trabalho ela não vai gostar.

-Fernando você é um besta quadrado, fala logo o que sente, em noventa por cento vai levar um não mesmo, se tomar um fora não chora perto dela – dizia e depois desligava, estava tendo aulas de dança de salão, ela e o Dorneles.

César esta bem atrás de mim, ele sorriu

-Apaixonado, hum! – fez uma cena pegando na barriga e fazendo bico com os lábios.

-César, você está ouvindo a minha conversa com a minha mãe?

-Se não sabe, vou te falar logo, Ana tem um namorado, um tal de Cláudio, é um “almofadinha”, cirurgião de cabeça, um ricaço que vem pegar ela em um carro de luxo, sabe que ela não vai andar naquele seu gol bolinha cheio de batidas laterais e com adesivo do flamengo.

Vontade de matar o César eu sempre tive, ele vivia me provocando, mas tiNha outros problemas, naquela época, gozava de um perfil de solteiro no Facebook, condição bem suspeita aos quarenta e quatro anos, a minha única namorada foi a Minerva, uma funcionária da empresa, oficialmente, trabalhava nos serviços gerais. A mulher, que me abandonou porque me achou pegajoso e “enjoativo”, para ela era difícil namorar com um homem que não saía para o pagode e não tomava cerveja.

Liguei pra minha mãe .

-Mãe, acha que sou bonito? - perguntei .

-Acho que parece com seu pai, eu acho que estava usando drogas quando forniquei com ele, muita tarja preta.

Ana mudou o ar que eu respirava , me sentia melhor, muito mais que nos outros dias porque Ana sempre conversava alguma coisa com comigo, porém a policia bateu nossa repartição e fomos acusados de invdir perfis de pessoas, logo a federal, então veio o golpe.

Foi chamado no gabinete, deram a notícia sem anestesia:

-Está no olho da rua, você é o responsável por quase essa empresa , que ia bem obrigado fechar, fiz um acordo com o queixoso, perdi algum dinheiro e estou a beira da falência.

-Doutor Carlos, por que me mandar embora? Eu chego na hora e faço o meu trabalho, o senho r sabe que eu era contra aqueles serviços.

-Sua mãe que enviava as mulheres, uma delas bateu com a língua nos dentes e o marido ficou furioso

-Não pode me dar uma chance?

Ele fez uma careta e completou.

-Além disso tem o corte de custo, era você ou o César, e o César disse que você deu em cima da Ana, não gosto de fofoca, mas da minha sala ali via você levantar na hora do café e ir atrás da Ana, eu observo tudo Fernando – ele fez uma pausa ridícula e olhou pra mim com cara de desprezo - quer um conselho, acho que deve procurar alguém em um desses sites de relacionamentos – Eu estava perto de um ataque cardíaco, levei até a mão ao peito, que infame, César estava mentindo.

-Eu falo com Ana , ela desmente.

-Tivemos que demitir ela também, uma mulher bonita assim em uma repartição cheia de homens feios tumultua tudo, o Everaldo estava tirando fotos escondidas da moça, quase demiti ele também, porém esta com mais raiva de você – disse Doutor Carlos – corte de custo e um pouco de “ranso”.

Com a caixa e meus pertences sai da repartição .

O sentimento era ambíguo, mas uma coisa é certa, eu queria ligar pra minha mãe, sentei no meio-fio, então Ana veio falar comigo, ela estava com um sorriso no rosto e parecia muito tranquila para quem acabou de ser demitida .

-Eles te demitiram – disse ela – eu já esperava, bando de calhorda machista, você acredita que aquele doutor Carlos me fez a proposta patética que se eu ficasse ele manteria o meu emprego, o que ele merecia é processo de assédio.

-Aquele velho?

-Pois é, parece o meu avô, que nojo.

-Podia te dar uma carona, mas o meu gol bolinha deu problema no arranque.

-Meu irmão vem me buscar, você tá indo pra onde ?A gente te dá uma carona – ela sorriu – acho tão bonitinho como trata a sua mãe.

Sentimentos se misturavam na minha cabeça, será que aquele dia seria o mais feliz da minha vida, encarou Ana e vi em seus olhos a chance de beijá-la, aproximou os meus lábios e tomei um tapa tão forte que as minha coisas cariram.

-O que é isso – disse Ana com cara de nojo – você é uma espécie de tarado ? Não se pode ajudar um infeliz que ele te ataca? Eu estava com pena de você.

-Te amo Ana?

-Que?!Esse mundo está perdido e eu que pensei comigo : esse cara é o único descente nessa repartição de merda – disse ela e completou cuspindo a raiva– não da pra ficar olhando pra ele. Isso não dá, porque o cara é horroroso , tem aquela barriga nojenta, aquelas bochechas, mas parece ser gente boa, não é igual aos outros, parece sensível, liga pra mãe , tem o retrato da mãe na mesa, coisa de gente normal, até achei que era gay.

-Gay!

-Nenhum hétero mora com a mãe até os quarenta, ainda por cima o tal de César, o magrelo com cara de psicopata, me falou que tinha pena de você, porque era um gay não assumido – ela suspirou – até tive dó! Agora sai da minha frente se não chamo a polícia.

Sai correndo, tudo que queria era telefonar para a minha mãe.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 16/07/2018
Reeditado em 26/08/2019
Código do texto: T6391886
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