Ziguezagueando 39

Estar naqueles instantes, envolta na trama que é o viver pelo corpo físico até os cabelos. Foi pega diante do fim, emaranhado maia que se dissiparia. A doença para Jovita, indicava a porta que ela teria que atravessar para a partida, estava fazendo as primeiras considerações de despedida desta vida.

Passava os dias na cama, anestesiada da dor, ingerindo altas doses de morfina. Os médicos haviam feito uma reunião com Merlinda, e o casal de gêmeos, pouparam Hugo do dissabor do comunicado. Esclareceram aos familiares, da real situação da mãe.

Adiantaram dizendo que não havia tratamento para cura de Jovita, que estava em estado avançado da doença. Teria somente mais alguns dias de vida.

Liberaram Jovita do tratamento, que seguiria em casa somente com os remédios que a preservava de sentir dores. A medicina não tinha mais o que fazer.

Merlinda foi a eleita para começar a conversa com Hugo, depois de informado, não manifestou uma palavra sequer, foi para a varanda, ficando horas em silêncio.

Depois, a vez da conversa com a mãe, junto com os dois irmãos. Foi numa manhã bucólica, sem gosto para o riso, a fala, o tecer da esperança. Sentaram em volta da mãe ao leito, que dava de frente para uma imensa janela. Pela manhã, ela ficava toda exposta, posicionada de frente para o reflexo do Sol, ouvindo músicas de sua preferência, em especial, as clássicas.

Uhm! Amava ouvir Beethoven, Bach, Wagner, Vivaldi, Brahms, Ravel, Bizet, Tchaikovsky, Divorak, os clássicos da música indiana, tocados com a Tabla e Sidar, como aquelas músicas inesquecíveis da antiga Índia, entoadas por flautistas místicos, ou ainda, com os instrumentos de fundo: Senay, Sarod e o Violino.

E foi ouvindo uma música antiga indiana, tocada com flauta, que Merlinda passou ouvir aos fundos, quando entrou nos aposentos da mãe, sentia um aroma delicado de essência de Amber, que era dinamizado no ambiente por um aparelho conectado a tomada, que mantinha em uso permanente, a pedido de Jovita.

Chamou a mãe baixinho, estava de olhos fechados, sua brancura chegava reluzir, a magreza expunha os ossinhos das maças do rosto, os globos oculares, cobertos pelo excesso das rugas, que fizeram foi encobrir os cílios.

Existia na expressão de Jovita uma paz radiante, que passou contagiar os filhos, seguravam o choro para não antecipar os motivos angustiantes da conversa.

Merlinda começou:

___Mãe! Mãezinha!

Jovita, que não dormia, mas desperta, mantinha os olhos fechado para penetrar ainda mais no sentimento que a música a compelia. Abriu os olhos, e sem expressão de espanto, mas de satisfação, sorriu serenamente, estava diante dos três filhos, coisa que não via Há vários meses, era a primeira vez do encontro com eles depois da doença.

Jovita deu um beijo na testa de cada filho, e cheirou o rosto deles, costume antigo, era o modo de expressar carinho e amor.

Depois dos cumprimentos, Jovita pegou nas mãos da mãe, passou olhar dentro dos seus olhos:

____Mãe querida, os médicos conversaram conosco, disseram que não tem mais chance de continuarem no tratamento, disseram que a ciência não tem como lhe fornecer solução para cura da sua doença.

Jovita a interrompeu, numa voz suave, foi adiantando:

___Filha, vivi tudo que tinha de direito, fui mãe, amada por vocês, tive um companheiro que me deu a chance de amá-lo ao meu modo. Agora é eu e a passagem, a fase do tirar o pé desta terra e colocá-lo junto com o outro na outra vida.

___Estou satisfeita meus filhos.

Agora é aguardar o fim. Sinto que não necessito de muito para seguir a viagem de partida, que estava marcada em potencial para seguir. A não ser a presença reconfortante de vocês, e de Hugo, entes queridos que amo e fez a vida valer a pena para mim. Pena não poder estar conosco a minha mãezinha.

Todos choravam, os soluços dos filhos, davam a tradução dos trejeitos de quando eram crianças, depois de terem levado bronca de Jovita por alguma traquinagem. As faces dos filhos, tomou o aspecto dos primeiros anos de vida, houve um sintetizar do tempo, passado e presente fundiram no ambiente, trazendo a realidade dura e indomesticável da lei da vida, que ditava a partida de uma alma.

Faziam a primeira solenidade de despedida.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 17/07/2018
Código do texto: T6392880
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