Ziguezagueando 40

Jovita não foi visitada pelo esposo no quarto até o final da tarde daquele dia. Sua prima, Nina, a que morava na residência desde o nascimento de Martinez e Soraia, depois deles grandes, foi morar com os tios no interior.

Na doença de Jovita, voltou para o litoral para auxiliar nos cuidados com a prima.

Seis horas dava banho com paninhos na cama em Jovita, diante do estado delicado que se encontrava, não podendo ser mexida devido as fortes dores, impedindo de ir até o banheiro se lavar. Jovita passou cantar uma linda música de Edit Piaf. Antiga! Mas que adorava por demais, cantarolava baixinho:Il faut oublier, Tout peut s'oublier, Qui s'enfuit déjà, Oublier le temps, Des malentendus, Et le temps perdu, A savoir comment, Oublier ces heures...

E foi longe nela! Sorria, vez outra, silenciava, deixando as lágrimas descerem vagarosamente dos olhos. Depois de seca, pediu para ser vestida num antigo vestido, que gostava de estar para agradar Hugo, era um dos preferidos dele; havia guardado como relíquia.

Se identificava nele, havia comprado numa loja de quinta, mas quando o olhou na vitrine, há mais de quarenta anos antes, achou-o lindo, não porque era seu gosto, mas ter identificado como sendo o de Hugo, tinha certeza que não erraria em agradá-lo, era um vestido tubinho verde musgo, de linho cambraia, ia até os joelhos.

Não teve outra, quando Hugo chegou vendo ela com o dito vestido, jogou a chave do carro longe e a maleta, pegou-a nos braços, a conduzindo até o quarto. Se amaram loucamente. O dia ficou marcado, pela explosão do afeto, e mais ainda por ter acertado no gosto e alegria do companheiro.

Depois daquele banho, mesmo em carne e osso, com a pele fina como seda, num brilho que indicava estar começando dessorar, Nina a colocou no vestido, ficou muito largo, pela magreza de corpo de Jovita, mas com ele, Jovita extravasava em contentamento.

Pediu que colocasse nela o par de brincos em diamante, e o colar que fazia conjunto. E um espelho. Quando estava com ele as mãos, olhava a sua face numa frieza distante, sem lastro com amargura ou descontentamento, mas como tivesse se arrumando para saída, que estava se conferindo, os olhos ficaram mais abertos, a linguagem facial que externava, era na Jovita, mulher de quarenta, aquela que ditava o traço da estrada e seguia intrepidamente.

Entregou o espelho a prima, disse que não tomaria mais os inibidores da dor, se recusou ingerir os comprimidos da noite. Neste ínterim, Hugo estava bem a frente da cama, sentado na poltrona de descanso, olhava Jovita estarrecido, desolado, estava ciente da sentença. Silencioso estava, assim continuou, ao ponto de Nina não cabendo na pressão que o clima entre os dois impôs, naquele vazio insuprível. se retirou do quarto.

Assim que a prima se retirou, Hugo levantou da poltrona, se jogando sobre Jovita na cama. Chorava muito, num pranto mudo, somente o balançar de seu corpo sobre a amada. Que o consolava com suas mãozinhas frágeis. Sem nenhuma fala.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 18/07/2018
Código do texto: T6393679
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.