Ziguezagueando 43

Nem com a ida ao mar, lançando os restos de Jovita sobre as ondas, não fez Hugo chorar, além do pranto, que se exauriu no leito de morte da amada.

Depois de assistir aquele cruel e indeclinável fim a beira praia, voltou para casa sozinho, a pé, não queria o abraço dos filhos, nem ver gente, palavras de conforto, seguiu ouvinte dos próprios passos, indo para os aposentos do casal.

A vida continuava, passaram alguns dias, Merlinda tinha que seguir a vida. Antes de anunciar a necessidade da volta para os EUA, para dar seguimento a sua história junto ao marido, e conviver nos cuidados das crianças do orfanato, teve uma conversa com o pai, convidando-o para ir com ela para o exterior.

Hugo disse que não teria ânimo mais para querer firmar raiz em outra terra, muito mais sem Jovita. Residiria por algum tempo na casa do litoral, mas que arranjaria outro lugar para morar, liberaria a casa para o inventário, não tinha mais sentido para refúgio nela, o magnetismo que o atraia ali, tinha-se ido.

Soraia e Martinez, apesar de estarem além dos trinta, não casaram, nem tinham filhos, estavam no auge do envolvimento nas atividades que escolheram, cantor de uma banda, e arqueóloga, duas profissões que não os deixavam fixos num mesmo lugar.

Os outros dois filhos, do primeiro casamento, viviam noutro estado, com suas famílias. Depois da separação com a primeira mulher, e o final dos estudos, passaram serem vistos pouco juntos, a vida foi direcionando-os para outros abraços, outras convivências. Sem ressentimentos.

Hugo conversou com Soraia e Martinez após a morte da mãe, disse que teriam que continuarem dando seguimento as suas carreiras, sem espaço para culpas, eram senhores dos próprios destinos, único responsáveis pelo trilhar da caminhada. Hugo, disse num tom frio e sincero:

__Vocês tem de seguir, meus filhos. Neste instante, precisam mais da vida, que de mim. Sou de longa idade, a vida urge e passa como um raio, o mundo é cumprido e largo. A Terra é esférica, qualquer dia, voltam para me ver!

Foram. Com Jovita e os filhos fora de cenário, somado ao fato da vida ter lhe oportunizado desenvolver, pela inteligência e experiência que apropriou , a capacidade de sintetizar o vivido, passou recusar recordar lembranças tristes.

Hugo seguia sem grandes expectativas. Voltou a viver só, como o submarino, submergiu nas profundezas oceânicas do seu interior, o hoje não era mais na confusão das ondas e do turbilhar das emoções, aquelas da maturidade e de anos atrás, que procurava um prumo, seja de onde fosse, para o cessar da instabilidade que a vida em atividade oferecia.

Jovita, única âncora que deixava-o estabilizado, tinha-se ido. O choque da separação com ela, provocou em si um deslocamento sem precedente de centro, e ao mesmo tempo, foi como conduzi-lo para um estado em si, que não dava brecha para ser apropriado, mas era dele, somente dele.

Tornou-se imperturbável, as emoções, que como ondas titubeavam para lá e cá, como nas profundezas oceânicas, transcendeu a própria individualização e seus limites, passavam longe, bem na superfície, sem afetá-lo, serenas nas honrarias, nos desejos e nas aversões.

Mês depois da morte de Jovita, no litoral, concluiu que era ali seu endereço derradeiro na vida, queria morrer onde Jovita teria dado os últimos passos, não queria ir um centímetro a mais que a amada.

A casa, liberou para venda e divisão do valor dela entre os filhos. Com seu salário e algumas reservas, se adequaria em alguma casa de abrigo para idosos.

Na caminhada matinal, resolveu ir mais longe na orla, afinal, tinha o dia todo, almoçara na mesma cantina desde que passou morar com a companheira, era conhecido pelos donos, tornaram-se amigos.

Passando em frente a uma aconchegante casa, leu na placa dependurada em destaque no local, “Casa de Repouso Eclipse Solar”, passou ali muito com Jovita, mas não tinha notado que funcionava um Lar para pessoas da terceira idade.

Entrou, sentiu um clima gostoso, acolhedor para quem visitava pela primeira vez.

Na recepção, havia um mural com fotos, que ocupava toda extensão da parede, que tinha, em média, quatro metros de cumprimento, por quatro de altura, tomada por fotografias de velhinhos.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 22/07/2018
Código do texto: T6397035
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