Ziguezagueando 47

Sentado após o almoço em um banquinho, no terraço contíguo ao refeitório, três domingos depois de ter se mudado para a Casa de Repouso, depois de muito interagir com os moradores e funcionários do local, e fazer os primeiros reconhecimentos de campo no trato partilhado, calhou por estar sozinho.

Estava envolto no observar um canário, que havia pousado sobre um dos galhos de uma Espatódea, no conteiro central, vantajada em flores.

Solveu na introspecção do ocorrido, passou sorrir espontaneamente, do discernir, na subjetividade alcançada, da beleza do entrosamento das flores com o pássaro, da fruição do resultado como beleza para alma.

Dava gosto ver aquele velhinho feliz, pelo simples fato de estar basto da contemplação gratuita, desimpedida de questionamentos.

Para quem visse, um a mais de muitos, que poderia estar vivendo o imaginário levado ao delírio, provindo de uma vontade insatisfeita de liga com a vida, que não veio na existência, vivendo o auto abandono.

Hugo gozava de uma tranquilidade não partilhada, cheirava à indiferença, estava uno com a cena: ele, o canário e a frondosa árvore, cacheada em fllores.

O vento soprava por todos os lados, os moradores tinham se dirigido aos aposentos para a feitura do quilo do almoço.

Momento em que, aproxima um dos funcionários, anuncia que tinha uma visitante para ele. Anunciou o nome:

___Posso pedir para entrar? Dr. Hugo? É Nilva. Conhece?

As meninas dos olhos cresceram de tamanho, ficaram estateladas. Hugo levantou, há muito não realizava o movimento com tanta facilidade. Não era possível. Nilva, ali? Era sua ex mulher, desde a audiência do divórcio que deu encerramento oficial a união, ha décadas, não foi vista mais por ele.

Muitas águas rolaram por debaixo da ponte. Também, o calo da culpa havia calejado dentro de Hugo, por ter deixado de amá-la. Se penitenciava pelo fato do peso carregado ser notado por ela na ocasião, que sentiu a morbidez do trato do companheiro, levado às últimas instâncias, ausência de sentimento esboçado por ele no silêncio dos dias, provocando sua partida.

Hugo havia passado anos, mesmo após o relacionamento com Jovita,era perseguido pela sombra da história com Nilva, obscurecendo sua psique, a lembrança se fazia de sombrinha posta diante do Sol, não o permitindo usufruir do contato tranquilo de sua alma na normalidade do viver.

Era caso mal resolvido, não porque ela falhou, agindo em excesso ou falta dos deveres de cuidado para com o casamento. Mas pelo fato de Hugo ter deixado de amá-la, desejá-la, amando mais a solidão, que sua presença, inocentemente.

Afinal, não quis a separação na época, mas contribuiu para a morte da relação por inanição afetiva.

Doía nele a verdade, mesmo depois de tudo acabado, e anos passados. O tempo havia escorrido tanto, que a consciência nele da culpa, havia embolorado, disfarçado o fato entre tantos outros do passado.

Quando foi anunciado o nome dela pelo funcionário, assustou, trazendo à tona toda a lembrança. Viveria, depois de muito, as emoções antigas novamente.

Hugo não sabia como lidar naquele improviso, ela estaria idosa como ele, que, apesar de quatro anos mais nova, era de longa data. Falar o quê? Dizer o quê? Depois de tudo acabado, ausente vinculo afetivo, lembranças a serem resgatada, a não ser o fato notório da realização deles nos filhos, que estavam todos encaminhados na vida. Permitido, inclusive, serem avós.

Hugo , se aprumou como réu, levantou de onde estava, indo preparado para ouvir o fato culposo, em todos os seus limites. Disposto acatar a eventual pena imposta.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 28/07/2018
Código do texto: T6402726
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