Ziguezagueando 48

Chegou no salão principal, encontrando-o vazio. Os sofás espalhados para recebimento das visitas estavam desocupados. A não ser um, no canto direito do lado oposto da entrada.

Reconheceu Nilva instantaneamente, estava sentada com as pernas emparelhadas, com uma bolsinha toda em pérolas as mãos, vestia macaquinho bege, sapatos no sobre tom.

Hugo aproximou-se ofegante, buscando sentar o quanto antes, as dores nas pernas, e o emocional, o acelerou na escolha de estar acomodado ao sofá junto a ela o quanto antes.

Depois que sentou, acomodando a bengala, e os braços na poltrona, levou sua mão à de Nilva. Buscando o cumprimento. Encontrando com ela no corpo envelhecido.

___Boa tarde, Nilva! Muito bom te ver. Os meninos disseram a você que eu passei morar aqui? Como vai? Você está ótima! A velhice nos desfigura, mas te vejo inteira de ânimo, vida...deu uma pausa.

Nilva, um tanto quanto comedida, escolada, conhecedora das reações emocionais do ex, por conta dos anos vividos com ele em um mesmo teto, sentiu de antemão seu descontrole no trato com ela.

Levou a outra mão para apoio e aconchego da mão cedida por Hugo para o cumprimento, passando acarinhá-la.

Sorriu baixinho, de modo amoroso, e atendendo ao saudosismo, falou mansamente:

___Meu menino! Está velho, assim como eu! Porque chegou a tanto! Vindo morar aqui! Não precisava disto! Por mais que queira se embrenhar em um buraco, não poderá se esquivar de você mesmo! Meu menino! Como te amei! Foi difícil sair da danura de querer te ter, te ver, estar em seus braços!

Hugo não sabia como reagir, Nilva mexia o tacho dentro dele. Estava ali para querer resgatá-lo, pensou. Respondeu:

___ Não sou um náufrago, nem dado a passar como avestruz, que seria covardia. Aventuro em outros mares. Somente isto.

A senhorinha circulava seu olhar na face de Hugo lentamente, com expressão de vencida na guerra do ser querida.

Espontaneamente, Nilva levou suas mãos trêmulas até a altura dos poucos cabelos que Hugo ainda tinha na cabeça, sentia que havia remorsos no olhar do ex marido. Ausente arrependimentos, mas ressentimento de não ter conseguido amá-la.

Passou balbuciar palavras libertadoras:

____Não se avexe não! Você não me diminuiu, quando deixou de comungar comigo com o carinho que tinha as pencas para te dar. Foi sua escolha. Te amei tanto, tanto, que quando percebi que lhe faltava afeto para corresponder comigo no relacionamento, saí, por minha conta e risco, deixando o campo limpo para você bater asas, indo à caça da sua correspondente, braços de outra que lhe completasse.

___Pelas notícias que chegavam a mim com o vento nos dias, anos, percebia cada vez mais que você se realizou no amor, encontrando a cola que o levou dar nova chance a si mesmo, para o amar e ser amado, e ainda abandonar a maldita vida solítária.

___ A falecida sua esposa, tinha boa fama. Teve motivos para encontrar limites, e ficar de corpo e alma com outra.

___ Fui mulher que aprendeu cantar noutra freguesia. Deu certo, encontrei Bitencout. Ele, soube conviver com meus entroncamentos. Amei-o até o último suspiro, faleceu duas semanas atrás.

Abaixou os braços, abriu a bolsinha perolada, retirando um embrulhinho. Era em tecido de cambraia branco, com rendinhas inglesas envolta. Abriu-o, oferecendo docinhos de côco a Hugo. Levou como agrado, eram os preferidos dele.

Hugo ficou contente por ter sido lembrado na preferência e gosto, comeram os docinhos, aproveitaram para dar algumas risadas, recordando dos momentos que passaram juntos, na criação dos filhos, viagens, e coisa e tal.

Depois de muita conversa, e da descontração ter sido assumida no diálogo, levaram à evaporação as emoções que conflitaram por anos em seus interiores , que viciava a mente dos dois. Permitiram a liberação das suas almas para um fim de vida desimpedida das pendências, as que mantinha-os conectados ao passado, negativamente.

Olham em direção a porta, um dos filhos estava contemplando os pais. Junqueira tinha ido buscar a mãe, com o filho de vinte anos, Hugo Neto.

Fazia tempo que Hugo esteve com eles. Saíram de outro estado para visitá-lo na Casa de repouso .

Abraçaram, festejaram o encontro. Junior implorou para que o pai fosse com eles embora. Hugo descartou a hipótese, disse que era decisão madura permanecer na Casa Eclipse Solar. Que retornassem quando desejassem. Iria até a residência deles, oportunamente. Lembrando que estariam em seu coração sempre.

Tinham que partir. Filho e neto despediram de Hugo, saindo da sala. Nilva retardou um pouco. Desacelerou os passos, pegou no queixo de Hugo carinhosamente, despedindo num ato que consagraria o perdão, a reconciliação dos dois na existência.

___Voe, meu querido! use irrestritamente o livre arbítrio que Deus lhe concedeu. Faça de sua liberdade a maior virtude. Abuse do direito de viver. Que ao final encontre a paz. Você não me deve nada. Adeus.

Beijou a face de Hugo, saindo sem olhar para trás.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 29/07/2018
Código do texto: T6403697
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