Ziguezagueando 49

Estava tarde demais para ficar na salmoura, repassando a própria vida. Perdeu o tino para se auto tecer, retorcer, montar e desmontar, num verdadeiro retalhado o que tinha vivido.

Ficou alguns meses com Merlinda nos EUA, depois, passou meio ano com os filhos do primeiro casamento. Na última temporada de inverno, escolheu por permanecer na Casa com os idosos. Sua rotina era se aquecer na lareira, no salão principal, sempre que terminava as refeições. Deixou dos livros, conversava pouco com os moradores do lugar.

O silêncio foi tomando conta do seu querer, rendeu-se a ele como num desaguar definitivo. Foi se assentando em sentir-se confortável consigo mesmo no velar da própria alma por antecipação.

O mundo, por mais que tinha estabecido a si mesmo nele, não indicava incomodá-lo o fato de ser gente, que a qualquer hora poderia partir. Foi tomando conteúdo e forma do vapor, imperceptível, inodoro.

Quando em conversa com os amigos, nos jardim do local, sempre comedido no criticar, desistiu das indagações, não queria mais saber, interagir com o mundo pelas palavras.

Adotou o modo contemplativo como meio de comunicação. Dava atenção até mesmo para o modo da funcionária da faxina passar o rodo com o pano no chão. Outros, gostava de ficar em meio ao pessoal no refeitório, pinçando, lá e cá, pelos olhos, sorrisos, trejeitos, movimentação das mais variadas no ambiente. Numa postura como de uma nuvem no ceu, sereno, macio de se ver.

Numa noite de domingo, resolveu antecipar o recolhimento para o sono. Colocou o pijama. Deitou na cama para o último sono.

No outro dia, deram falta dele no café da manhã. Hugo havia partido desta para outra, não acordando para mais um dia. Encerrando sua história.

Teria encontrado respostas para tantas perguntas? Aquelas que os homens ousados do mundo fazem, como meio da busca do encontro consigo mesmos, em face da incógnita que é a vida ?

Quem Foi? Se Deus não está criando o universo, quem está criando? Qual é o propósito do universo? Porque nasceu? Falava com seu corpo? O que queria ter sido? O que foi? • Morou onde queria ter morado? Foi os pensamentos que teve? Foi os sentimentos que teve? E os desejos que teve, foi? A quais vícios estava emaranhado? Drogas, álcool, tabaco, café, chá, chocolate, refrigerantes, sal, açúcar, futebol? Se não fosse ele, quem gostaria de ter sido? • Qual foi seu propósito de vida? Qual é o propósito da humanidade deste mundo? De quem ele dependia? A quem dava trabalho? Se ele perdesse sua memória, ainda acharia quem seria ele? Conheceu o silêncio mental? Viveu como teria almejado? Tinha fé nele? • Quais foram seus medos? • Em quê se considerava forte? O que era o triunfar para ele? Entendia ser um corpo com consciência ou consciência com um corpo? • O que entendia ser dele? • O quê queria ter tido? • Quem amou? • Quem admirou? Com quantos anos queria ter morrido? • O que quis mudar no mundo? • No que acreditou? • Quais qualidades acreditou ter? Quais defeitos reconheceu como dele?

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 02/08/2018
Código do texto: T6407751
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