ELE, O SERTANEJO, E O VARELO

Ele chegou na capital numa tarde chuvosa de junho com uma mala cheia de sonhos e de ferramentas. O jovem nasceu em uma família sertaneja numerosa. O seu pai tinha um pequeno sítio que produzia principalmente algodão. O sucesso de uma grande colheita permitiu ao jovem a compra de ferramentas que lhe permitiria atuar como carpinteiro. Enquanto isso os seus primos mais abastados foram ao Recife para estudar Direito. Agora com o seu grande amigo Varelo (pernambucano de origem, mas souzense de coração) ele tinha grandes espectativas de um grande futuro. Os dois se instalaram em um velho sobrado na rua Beaurepaure Rohan que possuia uma vista privilegiada para o rio Sanhauá. Cada um procurou emprego à sua maneira. Ele percorreu as principais carpintarias da cidade, mas sem sucesso. Varelo, grande farrista, visitava mais a Maciel Pinheiro (baixo meretrício) do que um emprego novo. Nas tardes de domingo os dois colocavam os seu ternos branquíssimos e se embriagavam nas festas do Clube Cabo Branco. Após seis meses, Varelo conseguiu uma vaga em uma oficina mecânica no Centro Histórico da cidade de João Pessoa. Mas ele, o sertanejo, ainda batalhava uma colocação no mercado de trabalho. Durante uma conversa no boteco da Tia, ele conheceu um representante de cosméticos que viajava por todo o interior do Estado. A fabricação caseira rendia um bom dinheiro ao representante. O sertanejo da cidade de Souza aprendeu a química dos cremes e hidratantes. À noite fabricava esses cremes e os embalava em potes trazidos por cabeceiros que recolhiam os vidros nos lixões. Durante o dia percorria os bairros Cordão Encarrnado, Ilha do Bispo e Baixo Roger à procura de clientes. Esse negócio durou um ano de sucesso, porém após uma fiscalização da vigilância sanitária o "negócio" foi fechado. Mas agora o sertanejo tinha uma grande soma em dinheiro no banco que lhe permiriria abrir um pequeno armarinho. Porém o destino lhe pregou uma peça. Durante a visita ao médico ele descobriu uma hérnia inguinal que precisaria ser estirpada o mais rápido possível. Essa cirurgia e o período da convalescência "consumiram" quase todo o dinheiro. Mas pouco tempo depois ele conseguiu um emprego em uma loja de tecidos. O problema era o manuseio de tecidos que causava ao sertanejo uma grande alergia. Nesta época ele conheceu um conterrâneo chamado Francisco Alves que lhe deu um emprego de vendedor em sua loja. Ele tornou-se o melhor vendedor da Alves & Companhia e ganhou muito dinheiro. Ao lado do amigo Varelo viajou várias vezes para curtir o carnaval do Recife e Caruaru. Na estadia da capital pernambucana, ele teve uma grande tristeza. O seu grande amigo Varelo emergiu nas águas do rio Capibaribe para nunca mais voltar "à cena". Ele, decepcionado, ainda planejou a sua volta ao sítio Mamoeiro em Souza na Paraíba. Mas a seca não "aceitou" o seu retorno. O destino reservou pouco tempo depois um grande momento em sua vida. Naquela tarde domingo ele conheceu Francisca, a garçonete loirinha da lanchonete praça 1817. A brejeira da cidade de Bananeiras dividia nesta época uma quitinete no Cordão Encarnado com uma amiga. As visitas dele aumentaram na mesma proporção dos passeios com a loirinha na orla marítima. Então chegou o tempo de morarem juntos. O dinheiro de dois quitinetes próprios dela, e algum dinheiro das vendas dele permitiram a compra de um terreno e a construção de uma casa no subúrbio. Eles tiveram quatro filhos, mas o sertanejo ainda sentia saudades da boemia e de seu amigo Varelo. Ele lembrava dos namoros com as moças da rua 13 de Maio, das paqueras na esquina do colégio Pio X, e dos "rachas" do Chevrolet Bell Air e do Cinca Chambord em plena avenida Epitácio Pessoa. As bebedeiras aumentaram na mesma proporção do distanciamento do casal. A separação foi inevitável. Mas a moça loira continuou morando no mesmo terreno em uma casita nos fundos da casa principal. Os dois mantiveram amizade, apesar de separados. Ela casou de novo com outro homem e teve um filho. Mas o sertanejo nunca mais quis alguém ao seu lado. Ele ainda realizou um grande sonho e concluiu um curso de contabilista à distância, mas nunca trabalhou nesta área. Ele aposentou-se e pouco tempo depois, o outrora rapaz elegante com o seu terno branco, dentes muito brancos e cabeleira cobrindo a testa encolhia o seu pequeno corpo naquela rede vermelha e assim fez a sua última viagem. Agora ele encontraria Varelo, a noiva do advogado Assis, o primo José Lourenço e a sua irmã Terezinha. Tudo que o sertanejo Genival amou durante a sua vida. A viagem agora foi mais distante, que não precisaria de malas ou ferramentas. Nota do autor: Alguns fatos narrados nesta história são verdadeiros, outros nem tanto. Afinal temos que acrescentar algumas coisas boas que às vezes não acontecem em nossa vida e que deveriam ter acontecido. (Esta é uma homenagem ao dia dos pais que estão vivos ou não).

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 12/08/2018
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