O POLÍTICO E O FAROL

Luciano atendeu um telefonema após o outro, na sala de imprensa. Estava um grande alvoroço como sempre acontecia naqueles finais de tarde de sexta-feira, pré eleição.

Apesar de, socialmente, ser muito bem relacionado e aquele emprego lhe proporcionar várias facilidades em termos de horário, ser um assessor de imprensa, naquelas épocas, não era para qualquer um. A responsabilidade era tamanha que muitas vezes dava vontade de fugir e jogar tudo para o alto, a não ser por uma fonte, um estrangeiro, que também auxiliava a assessoria mandando algumas providenciais mensagens por emails aliviadoras de tensão, como definia Mark.

Seu chefe era o Professor Gerson. Mestre em educação especial, resolvera entrar para o mundo da política por ser muito engajado em movimentos estudantis. Era um idealista e não um ambicioso por dinheiro e cargos como era o caso da maioria de seus concorrentes.

Talvez por isso, fosse, sobretudo, um gentleman.

Na última eleição, o chefe do departamento de assessoria parabenizou a Luciano e o responsabilizou como sendo o cabeça da campanha de Gerson. E o deputado ficou sabendo disso, é claro.

E o melhor ainda estava por vir.

Quando acabasse as eleições e Gerson se reelegesse para deputado estadual do Estado de São Paulo, Luciano receberia um grande prêmio. Essa era a promessa.

E lá estava ela o esperando.

O domingo havia chegado.

As eleições acabaram de terminar e Luciano se despedia de Gerson no estacionamento do prédio da assessoria de campanha. Estava já dentro do carro, crente que voltaria para seu frio e pequeno apartamento quando foi surpreendido pelo deputado.

-Tome meu amigo. Agora é sua vez de aproveitar a vida da melhor forma possível.

O generoso homem lhe entregou as chaves do seu iate, juntamente com um diário de bordo.

-Não vou poder ir com você Luciano - ele sorriu sarcasticamente. Luciano adorava ouvir aquela risada que soava mais íntima. A partir dela tinha certeza de que o chefe o amava.

Depois que chegou a casa e mostrou os planos para seu amigo e companheiro de quarto, Nicolas, percebeu o tamanho da aventura que haveria pela frente.

-Caramba, brother, você viu onde fica a casa do deputado?

-Não, nem imagino.

Nicolas abriu o net book e conectou-se à internet. Entrou no googlemaps e fez a busca do local. Era a Ilha de Fiji, na Oceania.

-Hum deixe-me ver –disse Nicolas fazendo uma busca no google –interessante, lá se falam três idiomas. Ah, pelo menos falam o inglês. Assim conseguirá conversar com alguma gatinha, pelo menos né. Seu curso valerá de alguma coisa.

-É verdade. Bom, felizmente, amanhã já partirei. Quero embora daqui. Não aguento mais essa cidade. Ficar ouvindo notícias me deixa louco.

-E como vai pra lá?

-De avião, mas, lá vou andar de iate. Meu chefe o deixou para que eu o aproveitasse. Vou ficar uma semana em alto mar.

-Que massa cara.

(Nicolas adorava aquela história de o amigo estar viajando. Não via um sorriso no rosto do colega de quarto há alguns meses. Aliás, desde que mudou-se para o apartamento e moraram juntos, não se lembra de ver o amigo esboçar um sorriso sincero).

Em Fiji, viagem tranquila regada a muita bebida cara (também fornecida pelo deputado), o iate estava atracado no ancoradouro. Alguém esperava Luciano.

-Olá, senhor , tudo bem. Está pronto

Luciano se assustou com aquele cara gigante o esperando. O que era aquilo.

Ele esperava uma bela garota, não um saco de músculos e esteróides. Mas nem tudo era perfeito. Seu chefe não seria diferente.

-Tudo bem. Estou pronto sim –Luciano tirou do bolso sua rais (sorria, se lembrando dos anos que passou guiando barcos e iates de gran finos juízes e coronéis - e suas amantes- da polícia militar de Santos).

-Opa, então tudo bem – O musculoso levantou as mãos, acompanhando Luciano dentro do barco.

-Preciso somente lhe mostrar onde estão os suprimentos, certo marinheiro?

-Marinheiro não, capitão (ele brincou).

-Tá certo.

Luciano subiu ao convés e se posicionou no leme. Depois de dez minutos já avistava a terra sumindo. A vista da água batendo sobre a polpa do iate fez com que o Luciano esquecesse um pouco os noticiários. Era difícil aquelas vozes saírem de sua cabeça. De repente ouviu uma voz. Ela era real.

-E aí capitão, está gostando. O musculoso estava logo atrás e o assustou pela chegada de surpresa.

-Claro. Não tem coisa melhor, hein?

-É verdade.

Eles ficaram conversando durante algumas horas e o sol começou a mergulhar no horizonte. Luciano viu o vermelho do sol do início começou a virar alaranjado na água. Era engraçado como apenas as coisas simples tinham o poder de fazer esquecer as complicações do seu trabalho.

A noite caiu e o já apresentado Digão (o apelido do musculoso) estava sobre a proa do iate.

Ele tateava algo em baixo da superfície do bico quando disse:

-Ah, está aqui.

Era o botão do farol do iate que seguiu iluminando à frente.

A vista era espetacular.

Luciano ficou perplexo com as baleias percebendo a aproximação da embarcação e não se assustando. Elas se afastavam um pouco apenas, mas, percebeu que pareciam fazer de propósito o que ele via. Elas começaram a se virar e mergulhar de novo no alto mar, infinito e misterioso.

-Meu Deus, Digão, isso é uma maravilha cara. Como não sabia que isso existia?

-É amigo, a gente olha da televisão e se contenta com aquilo. E passamos a vida sem nem sequer nos darmos a oportunidade de viver. Ver não é viver.

-Você tem razão. Apesar de eu ter tirado a rais nunca a utilizei para navegar mares dantes navegados (de onde vinha aquela frase, mesmo?). Tirei pra trabalho.

-Agora você pode viver tudo isso, colega.

Duas noites se passaram e os dois tripulantes já haviam passado por algumas ilhotas. Desceram, apanharam algumas conchas e contemplaram os locais, a natureza exuberante e intocada.

Na terceira noite o farol do iate começou a falhar.

-Droga, o que está havendo Digão?

-Não sei, preciso olhar lá embaixo.

Após verificar a fiação na parte da frente do iate, Digão desceu e trouxe o diagnóstico.

-A bateria arriou!

-Temos uma reserva não é?

-Acho que sim.

-Como assim? Tem que ter uma reserva.

Luciano estava enganado. As coisas não eram tão perfeitas como imaginava. Apesar de colocarem a nova bateria que estava no porão do iate, logo foi descarregada. Infelizmente descobriram que o problema era com o sistema elétrico da embarcação. Mas era tão novo o iate. Ou talvez não fosse...(nem tudo é perfeito, mas se acalme, Luciano, tudo , no final, se ajeita, afinal vocês está em férias, não é? Tudo é colorido, olhe as árvores, o mar).

Mas, o fato é que algo veio à mente de Luciano. O filme náufrago, Tubarão, À Deriva e mais e mais. Então soube, não tinham muito tempo. Logo precisariam procurar um lugar para ficar. Ou o iate ficaria à deriva, com risco de bater em alguma coisa.

Luciano andava de um lado a outro. Um ar gélido começava a soprar à frente. (Digão também sentiu a ameaça e começava a ficar preocupado. Ele trouxe duas tocas para os dois).

-Senhor, eu sei que tem uma ilha aqui perto.

-É mesmo, onde?

-A 45 graus para o leste. É o que indica no mapa.

-Então vamos para lá –disse Luciano.

Quando se preparava para mudar a direção Digão veio do fundo do iate correndo. Sua voz estava praticamente engasgada quando falou:

-Pare, senhor. Não podemos ir para leste. Há muitos corais naquela direção.

Luciano girava o leme para o oeste quando tiveram uma surpresa. Um facho muito forte de uma luz azul foi direcionado para sua vista. Era surpreendentemente claro e brilhoso.

-Que luz é essa? Disse, assustado, largou o leme e desceu ao convés.

-É um farol.

Como era um marinheiro muito experiente, Luciano pensou que certamente Digão tinha conhecimento do farol. Até poderia conhecer a pessoa que porventura estivesse lá. Estavam seguros. Afinal, poderiam passar a noite em um lugar tranquilo, ao menos para fugirem daquela madrugada congelante, que se aproximava.

-Vamos até lá –disse Luciano ansiosamente, praticamente ordenando.

-Claro. Só temos que tomar cuidado.

O assessor ficou surpreso com a resposta, mas, não havia muito o que temer. O que seria pior do que ficar à deriva?

Perceberam que à medida que iam se aproximando do farol ele foi direcionando-os para o caminho correto sem que batessem nos corais. Quando passavam viram que aquela parte do oceano estava recheada deles e na madrugada, certamente bateriam em vários. A lua minguante também não ajudava muito.

Enfim, chegaram junto ao farol. Atracaram o iate perto de um pequeno monte de terra que ficava em baixo da construção.

Os dois ficaram observando da frente da embarcação que agora começava a parar ante o lançamento da âncora ao fundo do oceano. Com muita dificuldade de enxergar, perceberam uma porta na parte de baixo do farol.

Com um ranger espectral ela pareceu se abrir.

Não havia nenhum sinal de vida.

Então a luz do farol, que parecia estar se comunicando, começou a se direcionar à porta. Eles entenderam o recado quando viram que ela estava entreaberta. Na certa, o faroleiro os recepcionava de braços abertos, pensou Luciano. Era a deixa que precisava. Já não aguentava mais a situação de total desconforto no iate.

Então desceu no monte de areia cheio de pedras entranhadas que sustentava o farol. Digão apenas pegou alguns pertences, verificou a segurança do iate, o fechou e, depois seguiu a silhueta de Luciano. Antes, porém, ainda conseguira avisar para esperá-lo até pegar os suprimentos. E conseguiu.

(Antes de entrar na portinhola Digão se surpreendeu com o grande temporal que começava a cair logo a frente no oceano. Escutou o barulho da chuva caindo na água do mar e lembrou de uma tempestade que uma vez passara naquelas águas. Sabia que o iate não aguentaria diante dos fortíssimos ventos que se seguiam aquele mau tempo. Já tinha ouvido algo a respeito na cabine mas não quis estragar o dia do jovem em férias. Tudo estava perfeito, na medida do possível.

Agora lhe restava pouco tempo e pouca luz).

Então gritou para cima na tentativa de que o faroleiro o escutasse.

-Ei, por favor, se estiver me escutando, mire o farol para o iate.

Nada.

Nesse instante percebeu que o vento começava a balançar a embarcação com o barulho que ouvia. Agora não havia mais tempo.

Resolveu gritar novamente, já sem esperanças. Partiria assim mesmo para a escuridão.

Quando começou a correr, a luz do farol acendeu mais uma vez agora em direção ao iate. Estavam a salvo. Ao lado da embarcação, ansiosamente Digão se abaixou e puxou um compartimento em baixo do barco. Eram as rodas e estavam intactas. Então pegou as cordas existentes nos costados e amarrou-as ao redor de um ferro providencial existente em cada lado do farol.

(Não conseguiria puxar o iate. Mas, daquela maneira, ao menos tinha uma expectativa de que o iate pudesse subir à terra, com os movimentos das fortes ondulações. Não havia mais nada a fazer, enfim). Então entrou. A visão que teve da parte interna foi um tanto decepcionante. Nada de cores como tudo na pescaria, pensava. As paredes eram esverdeadas de limo e mexilhões. As cores do mar. Era isso, sorriu para si mesmo. Havia uma escada em espiral gigantesca. Olhou para cima e viu Luciano subindo).

-Estou aqui Luciano (gritou tão alto que percebeu que não precisava ter exagerado tanto diante da largura do lugar. O eco foi ensurdecedor).

-Caramba, que susto, Digão. Suba aqui. Tem um senhor nos chamando lá para cima. Ele só disse para bater a porta.

-Tudo bem.

Os dois chegaram ao penúltimo andar do farol que media aproximadamente o tamanho de um prédio de doze andares. Era uma sala com pouco mobiliário se resumindo a apenas um sofá encapado com uma lona marrom grossa e bem surrada e alguns itens usados em uma cozinha de um camping como uma espiriteira abastecida por um richô e algumas cadeiras e prateleiras feitas à mão sem pintura.

Enquanto admiraram o ambiente avistaram o morador descendo a escada.

-Olá, amigos sejam bem vindos. O que fazem aqui por essas quebradas a essa hora da noite e com esse iate.

Luciano percebera que as palavras não foram dirigidas a ele e tinham um tom reprovador e paternal. Viu, também, que o homem de meia idade, com todo o jeitão de um pescador bem cuidado, cabelos penteados, barba feita, sabia também que ele era alguém de respeito.

-É que acabamos tendo uma pane elétrica em nosso barco. Não tinhámos mais como ter a direção.

-Entendo. Isso acontece mesmo. Vocês não tem culpa. E fizeram o certo. Essa área é muito perigosa.

Luciano se sentiu mais feliz com a resposta do experiente pescador, ou faroleiro, ele não sabia. Mas aquela resposta pareceu transmitir a ele uma certa segurança pelo fato de saber que aquilo que Digão dissera tinha sentido. Não confiava muito na primeira vez que conhecia uma pessoa. Precisava ao menos de alguma referência e não tivera nenhuma de Digão a não ser a indicação de seu chefão, mas por boca do próprio saco de músculos e esteróides-anabolizantes, condição que o deixava mais atemorizado.

O senhor Owens era de Fiji (não como o brasileiro Digão, funcionário enviado pelo deputado há mais de três anos, desde que ganhara a eleição, para cuidar das ferias das filhas dele. O fato é que tudo foi esclarecido pelo próprio Owens), nascido e criado lá e depois de pedir para que os dois sentassem no seu sofá contou sua história, servindo-os um grande banquete de nada mais nada menos que carne de siri amassada com batatas. Tudo dali mesmo garantira pra os marujos à deriva.

-E o que levou o senhor a trabalhar aqui nesse lugar? Desculpe-me pela pergunta –se justificou Luciano.

-Ora não tem problema, não precisava se justificar todo. Sei o que as pessoas de grandes metrópoles pensam sobre uma pessoa que decide viver em lugares isolados. E isso vale tanto para fazendas, treilers ou até mesmo um lugar mais isolado ainda, como este aqui. Realmente é, no mínimo, curioso.

-É verdade. Era isso que estava pensando mesmo.

Digão apenas sorria. (Não conseguia prestar atenção no assunto. Apenas uma coisa lhe interessava naquele momento. A comida maravilhosa que aquele faroleiro preparou. Se até mesmo o iate tinha ficado para segundo plano, imagina o resto).

Owens prosseguiu calmamente.

-Eu vim para cá depois que consegui uma boa estabilidade financeira em um grande emprego.

-Nossa, não acredito. Depois de conseguir uma estabilidade você fez uma coisa dessas

-Sim. Sabe amigo, acredito que quando conseguimos as maiores vitórias de nossas vidas, no aspecto profissional, temos que tomar cuidado. Esse é o melhor momento para olharmos para nós mesmos. Será que o jeito que estamos conduzindo nossa vida esta nos fazendo bem. Essa é a questão mais relevante de nossa vida. Será que nosso dom é esse mesmo? E se a resposta for positiva como exercer ele de uma maneira melhor. Veja eu aqui nesse farol. Esse era meu sonho. Viver em paz, sozinho. (E iluminar pessoas, ajudá-las, pensou , mas não disse para não soar prepotente) Percebi que mesmo depois de me aposentar não conseguiria a paz total. Aí tomei minha decisão antes que tomassem por mim.

Não havia espaço para interrupções do assessor. O faroleiro prosseguiu com suas lições de vida. A chuva era forte. Uma tempestade!

-A sociedade é a culpada. Ela monta uma estrutura, diante dos interesses, sejam eles comunistas ou socialistas, sejam eles consumistas. O fato é que através de ideias, nos alienamos de nossos sonhos. As pessoas são direcionadas a fazerem com que seus sonhos entrem para a categoria dos hobies apenas. Ou se tornam escravos deos pensamentos deles em grupos e etc. Quem trabalha um dia inteiro, dez horas por dia, como terá cabeça para trabalhar algo que é seu sonho, como por exemplo, pintar um quadro ou compor uma música?

Outro exemplo é quando fazemos um teste vocacional. Qual a resposta que nós temos em oitenta por cento deles?

-Não sei.

-Ah, pense um pouco.

-Hum deixe me ver. Área de humanas ou exatas.

-E a profissão?

-É, eles indicam algumas.

-E você já percebeu que, na maioria das vezes, trabalhar em um farol nunca estaria em um teste vocacional?

-É verdade. Mas não sei onde está querendo chegar. Desculpe, mas, o que que um trabalho como faroleiro tem a ver com vocação? Sem ofensas tá bom? É só curiosidade. Sorriu.

O faroleiro também lhe retribuiu um sorriso e concluiu:

-Estou aqui para mostrar o caminho (Agora era a momento de não soar arrogante).

-Como assim –Luciano sentiu que aquilo tinha a ver com ele. Como poderia um homem que ele nunca vira em sua vida em um lugar tão distante se tornar tão próximo ao mesmo tempo.

Um silêncio se seguiu. Parecia que o faroleiro escutara algo.

-Vocês trancaram a porta?

Digão se levantou com a pergunta que encarou como uma ofensa.

-É claro que fechei. Eu verifiquei, ok?

Sentou-se novamente depois de fulminar o faroleiro que se sentiu ameaçado pelos quase dois metros de largura do homem anabolizado.

-Tudo bem. Não se assustem mas preciso subir para verificar.

-Como assim, o que houve, senhor –perguntou Luciano aturdido.

-Fiquem aqui, preciso verificar uma coisa.

Quando desceu novamente as escadas o faroleiro estava preocupado. Tentou disfarçar com um sorriso falso mas não conseguiu.

-O que aconteceu lá fora – perguntou Digão.

-Não foi nada. Apenas mais uma tempestade daquelas horríveis com ondas grandes.

-De que tamanho?

-Não se preocupem já vai passar.

(Owens acreditava não ser necessário avisar que as ondas eram de 5 metros de altura para cima porque era comum isso acontecer em alto-mar. Na praia era um acinte. Não era necessário causar pavor nos dois. Mas percebera que seu olhar não conseguira convencer totalmente os dois colegas que se entreolhavam continuamente).

O vento começou a zunir por entre os pequenos furos das pequenas janelas que se distruibuiam por cada andar do farol. (Aquilo começou a aumentar o pânico de Digão que lembrou do iate. Será que as cordas iriam aguentar?)

-Você verificou o iate?

-Sim, está tudo bem (Mentiu. Apenas as cordas do barco sobraram. O iate estava à deriva e não podia mais ser visto. Provavelmente já estivesse destruído pelas ondas gigantescas que estouravam constantemente nas pedras costeiras. Então o faroleiro sentiu que era necessário dizer a verdade, até diante da descrença de Luciano que nem mesmo sabia das cordas que Digão havia colocado, por segurança).

-Na verdade, preciso lhes dizer que o iate de vocês não está mais por aqui.

Após alguns gritos de desespero por parte de Luciano, Owens explicou que não precisariam entrar em pânico. Luciano desconfiara da total indiferença demonstrada por Digão.

Começava a temer pela sua segurança. Será que era uma armação pra cima do grande assessor de imprensa. Aquele papo todo de rever conceitos era tudo uma farsa e havia algo interligado, com alguma conspiração. Era na certa algum candidato da oposição que perdera a eleição querendo vingança ou alguma chantagem.

Mas tudo isso foi aliviado com as palavras que se seguiram

Owens informou que tinha um outro iate na parte de trás do farol. Era de seu uso pessoal e exclusivo para busca de suprimentos na ilha de Fiji, que ficava a apenas uns dez minutos de barco dali.

Luciano sentia a adrenalina baixar. O suor de sua testa secou imediatamente.

Não tinha nada de conspiração.

O faroleiro continuou contando sua história.

-Sabe, Luciano, quando fazemos tudo isso, de chegarmos ao topo de nossa conquista em termos de realização profissional precisamos saber que merecemos sempre o melhor.

-Como assim, já temos o melhor não é mesmo?

-Mais ou menos. Veja meu exemplo.

-Ahâ – Luciano não entendia onde ele queria chegar.

-Eu sou o cara que envia emails para você em seu computador lá na cidade grande e estou aqui, veja só, realizando o meu sonho de viver no farol.

O assessor mal pode acreditar nas palavras que ouvia. Era seu grande parceiro de inteligência. Um grande visionário de tendências da oposição. O cara se antecipava a tudo antes dos debates na televisão. Ele era o cara. Luciano apenas montava os textos com base no que ele o enviava. Agora estava ali conversando cara a cara com ele, coisa que sempre quis fazer nas duas últimas campanhas do seu deputado.

Ele olhou admirado para Digão que acabara de acender um charuto, demonstrando uma total falta de interesse pelo assunto.

A viagem a Fiji foi interrompida daquela vez. Luciano mal poderia esperar para voltar ao prédio da assessoria e conversar com o deputado. Já sabia de tudo, só precisava de uma confirmação.

Era tudo uma grande armação para que, finalmente, o seu prêmio fosse merecido: Luciano seria transferido para a ilha de Fiji. Ficaria lá por quanto tempo quisesse e comandaria a assessoria do deputado de um lugar que escolhesse como ideal.

(O deputado conhecia Owens. E Owens lhe falara sobre o rosto de Luciano, a sua felicidade num lugar daquele. Enfim, ele renderia muito mais lá).

Era assim que um líder agia, concluiu, Luciano, depois de colecionar prêmios em assessoria de candidatos e em seu grande escritório montado sobre uma grande ilhota em uma mansão próximo a Fiji. Após a morte do deputado, assassinado por uma facada por um maluco partidário, foi isso que fez por alguns anos.

Vinte anos depois, estava casado e teve dois filhos que se tornaram motoristas de embarcação.

Agora a diferença é que Luciano passava oitenta por cento de seu dia administrando a empresa de transporte de turistas que montou com seus filhos, em Fiji.

Ah, não posso esquecer de uma coisa muito importante.

Adivinha quem era o capitão do barco?

Não era o Digão.

Alexandre Scarpa
Enviado por Alexandre Scarpa em 16/09/2018
Reeditado em 22/09/2018
Código do texto: T6450340
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