Manuel e Antônio

Manuel e Antônio não se viam há muito tempo.

Manuel e Antônio viveram toda a sua infância na pequena cidade de Ribeirão do Pinhal, interior do Paraná.

Manuel e Antônio não foram diferentes da grande maioria dos nascidos na cidade. Nasceram no mesmo Hospital das Clínicas. Nasceram no mesmo dia. Quartos vizinhos, casas vizinhas.

As mães de Manuel e Antônio sempre os levava para brincar no parque. Areia era jogada pra todos os lados. Manuel e Antônio não foram diferentes, mas fizeram Thiago, o filho da prefeita, ir parar no hospital pra retirar areia dos olhos.

Aprenderam a ler juntos e juntos iam até a banca de jornais onde compravam revistas da Turma da Mônica pra ler. “Assaltos” à banca eram comuns, principalmente para roubar balas. Manuel e Antônio não foram diferentes. O bolso sempre ficava cheinho de doces até que um dia foram dedurados pelo filho da ex-prefeita, Thiago. Não puderam mais se aproximar da banca sem a companhia de um adulto. Ao menos até os treze anos de idade.

Em dia de sol, os meninos se divertiam jogando bola. Manuel e Antônio não foram diferentes. Junto com uma turma imensa em frente a casa do Zézinho jogavam seu futebol e quase nunca eram interrompidos com a passagem de um carro ou mesmo sequer de uma carroça. Iam ao único clube da cidade, o Clube de Campo onde nadavam e sempre que percebiam não haver adulto algum por perto se motivavam a ir jogar sinuca.

Um desses dias de peripécias, eles resolveram ir roubar manga da senhora Cotinha. O muro era bastante alto e a árvore ficava com alguns galhos para o lado da rua. A molecada olhava aquele pé cheinho e não agüentava. Manuel e Antônio não foram diferentes. Com um pedaço de tronco eles cutucaram até que três mangas bem maduras foram parar em suas mãos. Só que a história deles acabou um pouco diferente das demais. O marido de dona Cotinha, o senhor Agenor, percebeu o “assalto” e resolveu dar uma lição. Eles tinham um cão bastante temido pela vizinhança; um pastor alemão de nome Yan. Yan, Manuel e Antônio jamais correram tanto quanto naquela tarde.

Todos estudavam na mesma escola. Manuel e Antônio não foram diferentes. Estavam sempre na mesma turma. Uma vez, na quinta série, eles resolveram jogar forca dentro da sala de aula, geografia. Manuel veio com uma palavra um pouco mais complicada e Antônio não conseguia adivinhar qual era. A cabeça do boneco já estava quase terminada quando a palavra foi descoberta. Soltou-se na sala um grito de contentamento que foi parar nos ouvidos do diretor. Foram suspensos por três dias.

Havia também a famosa praça onde a noite o pessoal se reunia pra brincar e tomar sorvete. A lambuzeira era geral. Os meninos maiores já faziam as suas peripécias amorosas. Manuel e Antônio não foram diferentes. Talita era uma menina novinha ainda quando ela e Manuel começaram a namorar. Antônio ficou com muitas.

A diversão de jovens adolescentes era ir até o bar do polaco e lá ficar paquerando e bebendo. Manuel e Antônio não foram diferentes. Talita já estava maior, mas o seu romance com Manuel parecia cada vez mais sério. Antônio brigou com a última namorada e na noite daquele acidente ele estava na fossa.

Muitos na cidade entraram com a moda de comprar uma moto. Manuel e Antônio não foram diferentes. Manuel até que se cuidava, já Antônio não queria saber. Bebeu muito devido à uma briga e foi correr na estrada que corta a cidade de um lado a outro. Um caminhão o pegou.

Antônio ficou seis dias no hospital. Manuel e Talita não foram diferentes. Lá ficaram com o amigo ajudando sempre que algo fosse necessário. Antônio retribuiria anos mais tarde em Maringá pra onde se mudaram a fim de fazer a faculdade de Direito.

Muitos vestibulandos ficaram carecas logo na primeira tentativa de vestibular. Manuel e Antônio não foram diferentes. A festa durou dois dias e duas noites. Os amigos não dormiram. Manuel e Antônio não foram diferentes. Depois da festa, os dois dormiram o mesmo par de dias e de noites, sem exagero.

Mesmo na universidade, as colas eram comuns entre os alunos de Direito. Manuel e Antônio não foram diferentes. Tudo foi armado. Na máquina de escrever, Antônio fez as colas. Manuel tirou cópias usando o menor tamanho de letra possível. Colas dentro do livro de Direito Constitucional. Professor descobriu. Quase foram jubilados. Deram sorte.

Manuel comprou seu primeiro carro. Estava feliz da vida e resolveu inaugurá-lo. Muitos rapazes da cidade faziam racha na BR. Manuel e Antônio não foram diferentes. Carros alinhados. Garota com minissaia atrativa pediu para que acionassem os motores. Lenço no chão, carros em disparada. Novamente um caminhão. Só Manuel no automóvel. Acidente feio. Manuel ficou seis dias no hospital. Antônio e a garota com minissaia atrativa não foram diferentes.

Muitos alunos já tinham passado pelo Centro Acadêmico. Manuel e Antônio não foram diferentes. A campanha foi arrasadora. A oposição não teve nem dez por cento dos votos. O mandato foi arrasador. Não conseguiram ficar nem dois meses no cargo. Depostos, demoraram para recuperar a imagem perante professores e colegas.

Estavam todos os formandos de Direito da Universidade Estadual de Maringá no clube. Manuel e Antônio não foram diferentes. Chegaram atrasados alguns minutos, mas não perderam a convocação de seus nomes. Os dois entraram juntos. Receberam os canudos e foram comemorar com as famílias em uma churrascaria da cidade.

Antônio mudou-se pra São Paulo onde perdeu contato com seu grande amigo, Manuel.

Manuel voltou pra Ribeirão do Pinhal onde se casou com Talita e juntos construíram uma fazenda de café.

Antônio casou-se com Denise, filha de fazendeiros do interior de Minas, com quem teve três filhos.

Manuel e Talita não foram diferentes, três filhos.

Manuel nunca usou o canudo que ganhou em Maringá e acabou mesmo sendo agropecuarista.

Antônio se tornou advogado de renome.

Crise no café e muitos fazendeiros de Ribeirão do Pinhal acabaram perdendo tudo. Manuel e Talita não foram diferentes. Com o problema do café, os dois resolveram se mudar pra São Paulo. O canudo, de novo, não foi útil. Manuel e Talita se tornaram donos de um restaurante de comida polonesa em Moema.

Antônio se separou de Denise. Seus filhos recebem pensão. Casa-se alguns anos depois com Maria de quem se separa no primeiro ano. Teve mais um filho com Bárbara, a terceira esposa.

Os anos passam.

Manuel e Antônio estão na Avenida Tietê em São Paulo. O trânsito faz com que Manuel saia do táxi em meio ao engarrafamento e siga a pé. Antônio não é diferente. Abandona o táxi e segue a pé.

Manuel e Antônio se cruzam na rua.

Manuel e Antônio não são diferentes da maioria dos pedestres em São Paulo.

Antônio e Manuel não se reconhecem.

David Scortecci
Enviado por David Scortecci em 28/10/2005
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